jota 19/04/2021ÓTIMO: histórias singulares, variadas, que têm como ponto de partida a própria vida da autora, repleta de acontecimentos e reviravoltasLido entre 16/03 e 18/04/21. Avaliação da leitura: 4,8/5,0
Levei mais de um mês para finalizar Manual da Faxineira (A Manual For Cleaning Women), contos escolhidos de Lucia Berlin (1936-2004) com comentário da escritora Lydia Davis (de Tipos de Perturbação) e posfácio de Stephen Emerson, especialista na obra da autora e amigo dela. Demorei não porque as histórias me parecessem desinteressantes, pelo contrário. É que a maioria delas tem muitas páginas, pouquíssimas são curtas. São quarenta e três contos, dos setenta e seis que Berlin publicou em vida, a maioria presente neste Manual da Faxineira, que é apenas o título de uma das histórias. Na edição brasileira são 536 páginas, exemplar bastante volumoso; nos EUA suas histórias foram publicadas em três volumes mas aqui somente nesse único, com o subtítulo Contos Escolhidos. Certamente para que pessoas desavisadas não tomassem o exemplar como um manual de limpeza de residências...
Com exceção de umas cinco histórias que me pareceram apenas medianas, quase todas são ótimas, algumas delas excelentes mesmo e se fosse obrigado a declarar uma que mais marcou minha memória ela seria Toda Luna, Todo Año. Como não fiz anotações ao final de cada leitura, agora fica complicado discorrer sobre essa ou aquela, coisa que Lydia Davis e Stephen Emerson fazem muito bem em seus textos. Vale destacar que os contos têm muita coisa pessoal, podem ser enquadrados como autoficção, já que Berlin transportou muito de sua vivência e experiência para essas páginas. Como informa a sinopse da Companhia das Letras, ela viveu em diversas cidades e países (especialmente México e Chile, além dos EUA, claro), passou por três casamentos e trabalhou como professora, telefonista, faxineira e enfermeira para sustentar os quatro filhos. Como era alcoólatra lutou contra o vício por anos antes de superá-lo e se tornar uma respeitável professora universitária em seus últimos anos de vida.
Tudo isso está presente no livro, em temas que abrangem trabalho, vida em família e relacionamentos amorosos, além de alcoolismo, doenças e casos médicos, outros pontos de destaque. Assim é que alguns personagens reaparecem em diversas histórias, como se Berlin estivesse narrando algumas novelas dentro de um volume de contos (caso de duas irmãs, uma delas com doença terminal). Outra coisa que chama a atenção do leitor é que grande parte das histórias termina abruptamente numa frase, que nos deixa querendo saber mais, esperando pela continuação daquela narrativa em outro conto. Ou não: simplesmente o conto termina ali, ponto final. Há quem relacione as histórias Berlin às de outro famoso contista americano, Raymond Carver, autor de Iniciantes, o que procede. Também me pareceu que várias delas apresentam certo humor negro, então essa relação pode ser ampliada para os contos de Um Homem Bom é Difícil de Encontrar, o ótimo livro de outra autora craque em histórias curtas, Flannery O’Connor. Sendo assim, Berlin está em ótima companhia e o leitor que se debruçar sobre Manual da Faxineira também vai estar. Seguramente.