Ricardo Silas 28/11/2016
I
Quando falam que a Lava Jato desvendou o maior escândalo de corrupção do Brasil, não é mero exagero de retórica ou conversa fiada da mídia. É verdade. Desde o dia em que a primeira fase da operação foi deflagrada, em 16 de março de 2014, ela vem mostrando resultados que chamaram a atenção do mundo inteiro. Colocar bilionários atrás das grades, divulgar áudios polêmicos envolvendo os políticos mais poderosos do país e prender um senador em exercício de mandato são coisas que não se vê todo dia. Se algo assim acontece, é porque finalmente a justiça começou a atingir aqueles que quase sempre estiveram acima da lei. Nem os próprios investigadores conseguiram crer de imediato no que as evidências revelavam. Aliás, ninguém pensou ser possível esbarrar num esquema tão gigantesco envolvendo a maior estatal do Brasil, e isso aconteceu graças à Polícia Federal.
Eis o resumo. A PF estava na cola de um antigo condenado da Justiça, o doleiro Alberto Youssef, que já havia sido julgado no caso Banestado, em 2004, pelo mesmo juiz que ironicamente o condenaria de novo, Sérgio Moro. Por ter feito um acordo de delação premiada com Ministério Público em 2003, Youssef garantiu colaborar com o andamento das investigações sobre o Banestado e também se comprometeu a abandonar a criminalidade. Em 2014, entretanto, depois de os policiais realizarem várias interceptações em chamadas telefônicas, a suspeita era a de que ele voltara ao mundo do crime. Não houve outra saída senão prendê-lo na primeira fase da operação, mais tarde batizada de Lava Jato. Isso inaugurou a operação mais tarde denominada Lava Jato.
Mas a maior surpresa ainda estava por vir. Um dos delegados da equipe, bisbilhotando uma longa lista de e-mails apreendidos de Youssef, encontrou algo que sacudiu daria um novo rumo às investigações: era a Nota Fiscal de um carro de luxo Range Rover Evoque, cujo destinatário era Paulo Roberto Costa, ninguém menos que um ex-diretor da Petrobras. Vindo de Youssef, aquilo não era um mero presente. Cheirava mais a dinheiro sujo. Seguindo novas pistas, ficou claro para os investigadores que havia trambiques dos grandes dentro da petroleira. As provas contra Paulo Roberto Costa eram incontestáveis, e logo ele foi preso. Se ele aceitasse os termos de uma delação premiada, poderia escapar de uma punição severa vinda de Sérgio Moro, mas teria que revelar todo o esquema, além de oferecer documentos que corroborassem a delação. Foi o que ele fez. Se fosse provado que ele mentiu, ocultou informações relevantes ou tentou obstruir o trabalho da Justiça, cumpriria sua longa sentença na cadeia.
II
Após quase três anos de Lava Jato, dezenas de inquéritos instaurados, centenas de oitivas de indiciados e testemunhas, reforçadas por milhares de documentos apreendidos pela PF, grampos telefônicos, perícias técnicas, comprovantes bancários e análises de planilhas, as peças começaram a se encaixar. Para entender o mega-esquema, é necessário conhecer quatro elementos-chave da organização que se instalou no Brasil: 1) empreiteiras; 2) diretores da Petrobras; 3) partidos políticos e 4) operadores financeiros. Primeiro, cada partido indicava alguém para assumir a diretoria de determinado setor da Petrobras, e cada diretor tinha à sua disposição um operador responsável pelas transações financeiras ilegais e pelo repasse de toda a propina para os políticos envolvidos. A maior parte do dinheiro, é claro, ia para quem indicou o diretor, que já aceitava o cargo sabendo de tudo. Se por caso ele viesse com conversa fiada sobre moralidade, decência e honestidade, era imediatamente substituído por um batedor de carteira profissional.
Então, digamos que a Petrobras precisasse construir uma refinaria de petróleo. As empreiteiras tinham acesso a informações privilegiadas fornecidas pelo diretor, e, com base nisso, formavam cartéis para decidir quem obteria os contratos dessa ou daquela obra. Se fosse, por exemplo, a Odebretch, e o orçamento de todo o serviço fosse calculado em 1 bilhão de reais, as fraudes licitatórias asseguravam que a empresa contratada superfaturasse alguns bilhões a mais. Uma parte de 1 a 3 porcento desse super-lucro (parece pouco, mas isso às vezes equivalia a centenas de milhões de reais) era dado ao operador, que novamente dividia o valor recebido e distribuía entre o diretor da Petrobras e os partidos políticos interessados. Ninguém saía perdendo, só os cofres da estatal. A maior soma que os partidos políticos recebiam era utilizada, principalmente, em fundos de campanha eleitoral. Ou seja, as engrenagens do esquema giravam a todo vapor em épocas de eleição, quando o dinheiro escorria feito água para o bolso dos bandidos. Se tal candidato precisasse de dinheiro, era só pressionar o operador encarregado pelos repasses. Os mais íntimos iam pedir pessoalmente ao diretor da Petrobras e, às vezes, batiam à porta das construtoras, ora de forma amigável, ora ameaçando quem estivesse no caminho.
Além disso, as empreiteiras tinham métodos particulares para ocultar a origem ilícita do dinheiro superfaturado. Muitas delas tinham negócios paralelos com Alberto Youssef, doleiro eficiente e confiável de longas datas. Ele tinha dezenas de empresas fantasmas que fingiam prestar consultorias às construtoras. Os pagamentos pelos supostos serviços eram milionários, mas alguns valores eram parcelados para não levantarem suspeitas. Quando a propina chegava ao destino predeterminado, os beneficiários faziam depósitos em contas na Suíça, compravam carros de luxo, como Lamborghinis, Ferraris etc., licenciados em nomes de terceiros, adquiriam centenas de obras de arte, como quadros de parede, alguns avaliados em mais de trezentos mil dólares, ou então recebiam o pagamento em dinheiro vivo, o que dificultava qualquer forma de rastreamento.
Os principais partidos envolvidos na organização desse sistema foram o PP, PMDB e PT. Na prática, foi assim: em 2004, o deputado federal José Janene, líder do PP na Câmara, indicou Paulo Roberto Costa para a diretoria de Abastecimentos da Petrobras. Nesse caso, o operador escolhido para intermediar a relação entre empreiteira, petroleira e partido político foi Alberto Youssef. A diretoria da área Internacional era controlada pelos líderes do PMDB, que indicaram Nestor Cerveró para o cargo, tendo Fernando Baiano como um dos operadores. O PT, por sua vez, tomava conta do setor de Serviços da estatal, e tinham Renato Duque como diretor e João Vaccari Netto, o próprio tesoureiro do partido, como operador. Nenhuma regra impedia que o fantoche do PMDB pagasse propina aos membros do PT e assim por diante. Na realidade, até mesmo outros partidos que não tinham influência sobre as decisões da Petrobras foram contemplados.
O mais chocante é não foram apenas dois ou três contratos superfaturados obtidos pelas empresas. Em mais ou menos 20 anos de esquema, absolutamente todas as negociações foram fraudulentas. Nenhum contrato foi celebrado de forma honesta. Embrulha o estômago só de pensar.