otxjunior
28/07/2021Homens sem Mulheres, Haruki MurakamiMinha primeira incursão ao autor, ou o definitivo homem que não amava as mulheres (mais a seguir), promovida principalmente pelo filme premiado em Cannes este ano que é baseado no conto que abre esta coletânea. Posso dizer que lembrei de uma tirada machista ao fim de cada texto: "mulher no volante, perigo constante" no primeiro, "mulher de amigo meu pra mim é homem" no segundo e assim por diante, numa sequência de histórias com personagens femininas mentirosas, traiçoeiras, adúlteras, vingativas, submissas, insensíveis e até deformadas. É conhecido o machismo na cultura japonesa, mas a misoginia de Haruki Murakami parece ser de cunho pessoal, proporcionada por inúmeras dores de cotovelo monumentais. Mas, apesar da impressão geral de heteronormatividade tóxica, aqui o todo não é igual a soma das partes.
Talvez exceto pelo (felizmente) último, que dá título ao livro, eu gostei de todos os contos. A escrita de Murakami é envolvente, cativa em seu modo simples, não simplório, de narrar. Em Kino, por exemplo, é fácil habitar aquele bar imaginário e se importar com o seu proprietário. Aliás a reabilitação do personagem após um abalo emocional é realmente comovente; e o elemento fantástico funciona melhor do que em outros casos, como no conto erótico envolvendo uma chaveira (não tem como ser mais óbvio na metáfora sexual) corcunda e ranzinza e um inseto recém-metamorfoseado em homem (além da referência direta a Kafka, também há para Woody Allen e Os Beatles), de mote "para o amor tudo vale a pena"!
Por fim, dá para reconhecer um tema comum a todos os contos, o desejo frustrado de ser quem não é - o outro podendo ser pessoa, planta ou animal. Praticamente todos giram em torno de traições sexuais ou sentimentais, o que evidencia a dinâmica encenação/realidade. Tem uns símbolos que trafegam também entre as histórias, sendo a cor azul-marinho aquele que salta aos olhos ao refletir o sentimento de solidão da maioria dos protagonistas masculinos, todos miseráveis. O que, parando para pensar agora e revendo a capa desta edição, reforça mais um esteriótipo de gênero: "rosa é de menina e azul é de menino".