jota 08/02/2021BOM (histórias joyceanas publicadas antes de Ulysses, mais palatáveis do que as desse complexo e caudaloso romance)
Ano passado finalmente li Ulysses, de James Joyce (1882-1941), de quem já havia lido antes Retrato do Artista Quando Jovem (1916) e Dublinenses (1914), obras menos volumosas e mais palatáveis do que o revolucionário clássico de 1922. Agora trata-se, na verdade, de uma releitura do segundo, porque não me lembrava de quase nada dessas histórias dublinenses, exceto um pouco de Os Mortos. É o conto que fecha o volume e que virou um bom filme em 1987 sob a direção de John Huston (no Brasil recebeu o título de Os Vivos e os Mortos). São vários personagens a circular pela católica capital da Irlanda e alguns deles aparecem nas páginas das três obras, interligando-as todas...
Nessa cuidadosa edição da Penguin – Companhia, com tradução de Caetano W. Galindo, que atualiza certos termos usados por Joyce (é possível, entre outras coisas, encontrar personagens falando “conversê”, em vez de papo, conversa etc.), temos não apenas quinze narrativas curtas, também um apêndice com um conto de Berkeley Campbell, O Velho Vigia. Que um editor, George Russell, enviou uma cópia, em carta datada de 1904, ao autor irlandês como modelo literário para que ele escrevesse para sua revista uma história que não “chocasse os leitores”. Isso vários anos antes de Ulysses...
Na Nota do Tradutor, bastante útil, especialmente para quem lê Joyce pela primeira vez, Galindo informa que todos os contos foram escritos entre 1904 e 1906, exceto Os Mortos (que por sua extensão pode ser classificado como uma novela), que é de 1907. Depois, durante os contos propriamente, Galindo introduz várias notas no final de cada história, tudo muito parecido com o que encontramos em Ulysses, tradução dele mesmo para a Companhia das Letras em 2012, na tentativa de fazer o leitor sentir-se mais confortável (informado) a respeito do que está lendo.
Apesar de memoráveis por seu valor, porque permanecem modernos e dizem muito sobre a Irlanda do tempo de Joyce, nenhum conto de Dublinenses me pareceu empolgante, capaz de provocar alguma emoção mais profunda ou com reviravoltas que pudessem surpreender o leitor ou coisa parecida. Apesar de haver escrito uma odisseia, Joyce não era dado a ousadias, aventuras, apenas na forma de escrever, de narrar. Nem todo mundo tem uma vida aventurosa, como os personagens desse Joyce também não têm, são irlandeses comuns, dublinenses comuns. Mas alguns trechos podem comover um bocado o leitor, como o final de Os Mortos, que se é uma narrativa parecida com as demais do volume, tem a seu favor uma pequena, bela e triste história que a finaliza. Que não se parece muito com o que lemos antes, se me entendem. Da mesma forma, o final de Duplicatas é extremamente doloroso; foi assim comigo.
Bem, essa foi uma releitura, mas por suas características, pelo modo como Joyce as conta, as histórias desse volume, passados mais de dez anos da primeira vez que as li, soaram agora como se esse fosse meu primeiro contato com o livro. Ou seja, os contos de Dublinenses pertencem àquele tipo de literatura que pode ser relido de tempos em tempos e quase sempre parecerá novidade. Certamente o mesmo pode ser dito de seus demais livros...
Lido entre 25/01 e 06/02/2021.