r.morel 06/02/2017
As desventuras de Bandini
Na essência é um livro romântico. O protagonista sofredor, e pobre, batalha e se dedica no intuito de ser o famoso escritor que tanto sonhou. Se ganhará o Nobel, ou milhões de dólares como acredita e afirma em passagens de devaneios poéticos, não importa. Não para esse livro. O importante aqui é a viagem, o trajeto que ele fez. John Fante resvala de leve, bem de leve, na desigualdade social nos Estados Unidos e no preconceito contra os imigrantes e seus descendentes, mas é discreto, beirando o nada. O personagem e a sua vida e os seus sentimentos que interessam.
A história de Arturo Bandini - que tanto inspirou o jovem, e aspirante a escritor, Charles Bukowski - é a de um jovem ansioso por viver, sentir, viver, viver e com isso obter a experiência para ser o tão desejado escritor de obras magníficas. No capítulo 2, no primeiro parágrafo, Bandini reconhece o seu problema: “Você tem 10 anos para escrever um livro, vá com calma, saia e aprenda sobre a vida, caminhe pelas ruas. Este é o seu problema: sua ignorância da vida. Ora, meu Deus, rapaz, você percebe que nunca teve uma experiência com uma mulher? Oh, sim, eu tive, oh sim, tive bastante. Oh não, você não teve. Precisa de uma mulher, precisa de um banho, precisa de um bom empurrão, precisa de dinheiro”.
Em um bar, com seu último níquel, Bandini pede um café com creme. É péssimo. Parece água suja. Mas ele admira a garçonete, uma mexicana, Camilla Lopez, e por ela a história segue entre a desolação de Los Angeles e os quartos apertados e sujos repletos de pó e poeira pelos cantos, o vasto deserto soprando vapores de calor, as altas montanhas, as colinas e os segredos escondidos com eterno vento, calor e frio. John Fante, que também era roteirista, criou algumas boas cenas. É uma escrita visual. Vemos Bandini e imaginamos um filme. Não por acaso, “Pergunte ao pó” foi adaptado ao cinema, em 2006, por Robert Towne, conhecido pelo roteiro de “Chinatown”. O filme, estrelado por Colin Farrell (Bandini) e Salma Hayek (Camilla), no entanto, não fez sucesso. Críticas ruins. Bilheteria fraca. As cenas do livro no livro surtem mais efeito do que no filme.
Uma das melhores passagens é a longa descrição do terremoto que sacode Long Beach Pike. A descrição de Bandini - o livro é narrado em primeira pessoa - é arrasadora. É o fim do mundo. Corpos ensanguentados pelas ruas. Prédios aos pedaços. Um caos. Mas os exageros e floreios indicam uma realidade discutível. Bandini é um escritor e antes do terremoto teve a sua primeira experiência sexual. De repente, talvez, o terremoto nem tão foi destruidor quanto o relato.
“Pergunte ao pó” é um bom livro. Mantém o seu ritmo. A relação de Bandini e Camilla, contudo, em certo momento, se torna repetitiva. Eles brigam e tentam ficar juntos e depois brigam e tentam ficar juntos e brigam e ela, meu Deus, ama outro. Alguns críticos afirmam que o livro possui um clima noir. Se existir é ínfimo e irrelevante. Mesmo nas cenas noturnas, como o banho de mar de Bandini e Camilla sob o luar, o que predomina é uma visão romântica e bela, um sentimento de sonho, vez ou outra perpassado por um pesadelo rápido. Bandini e a sua musa inalcançável nos proporcionam bons momentos e uma leitura agradável.
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