Evy 29/03/2021Esse é o meu segundo contato com a autora Toni Morrison, e definitivamente eu vou ler qualquer coisa que essa mulher decidir publicar e até o que vazar na internet, tipo a lista de supermercado dela! Brincadeiras a parte, me sinto hipnotizada pela narrativa dessa autora. Algo na forma como ela coloca as palavras me faz mergulhar e vivenciar, mesmo que como espectadora, as situações que tão bem descreve.
É difícil dizer qual é o foco central dessa história e seu enredo não é exatamente linear, deixando alguns pontos em aberto, mas são fotografias cotidianas que nos apresentam a realidade triste no Fundão de um país segregado nos anos 1920, onde o casamento e a maternidade é uma imposição e uma necessidade às mulheres negras e os homens negros aceitam os trabalhos que os brancos recusam.
Acompanhamos, de forma tortuosa, algumas mulheres na narrativa forte e poética de Morrison, nos levando a vivenciar a solidão, a loucura, o abandono, o desespero da fome e da sobrevivência dura. Um olhar desavisado para esta realidade pode sugerir que são somente esses horrores que nos são apresentados, mas é preciso um olhar mais aguçado para encontrar pequenos pontos de amor e luz disfarçados em ações e gestos despretensiosos.
E então Sula, "filha única, mas imprensada em um lar de desordem pulsante constantemente desarranjado por coisas, pessoas, vozes e batidas de portas", decide pela liberdade, escolhendo uma forma de sobreviver baseada em suas próprias escolhas, independente, autônoma, impossibilitando qualquer um a lhe impor uma visão dela que não seja a que ela própria escolheu ser. A qualquer custo.
Suas ações são vistas pelos que não tiveram a coragem, ou vontade de fazer essa escolha, com insatisfação, raiva, escândalo, deboche e por fim, medo. E assistimos em nós mesmos, com nossos julgamentos, nos colocando nesse mesmo lugar. Eu detestei Sula e me indignei com diversas posturas suas que ainda não sei se consigo perdoar.
E é esse o ponto chave dessa história pra mim. A reflexão que fazemos sobre o que estamos vendo que nos traz muito mais do que o que está sendo visto. Esse livro abre as portas para reflexões importantes sobre a maternidade, o papel das mulheres, o amor, a amizade, a verdadeira natureza humana e principalmente sobre a liberdade e o quanto ela pode ser terrível, antes mesmo de ser um sonho.
Um romance que me trouxe lágrimas, angustia e muito a refletir. Adoro quando a literatura tira a gente do lugar comum, da zona de conforto e nos abre percepções diferentes do mundo. Super recomendo a leitura!