spoiler visualizarvenusy 03/02/2024
?Eu sou, eu sou, eu sou?
Esse livro é muito popular entre alguns nichos que surgiram entre adolescentes, principalmente, é claro, nas redes sociais, e eu acho terrível que as pessoas tenham o banalizado a esse ponto. Entre tantas razões está o fato de que é uma narrativa crua sobre a própria realidade da Sylvia Plath e não entendo como as pessoas possam ver isso como ?aesthetic?.
Embora não tenha sido a primeira vez que tentei ler, me surpreendi com a simplicidade da escrita da autora, não exatamente no bom sentido, mas também. Nunca espero muito de escritores estadunidenses porque pouquíssimas vezes li algo impressionante escrito por um, e assim foi o caso desse livro. A escrita é bem simples e de fácil compreensão, o que é bom porque o tema central do livro já é pesado, então imagina combinar isso com uma escrita truncada, mas acho que pelo fato dela ser poeta, eu esperava um pouquinho mais.
Paradoxalmente, o livro trata de assuntos bem delicados e nos faz refletir sobre algumas pautas que continuam extremamente atuais, mas nem por isso deixei de notar algumas coisas problemáticas que entendo serem justificadas pela época, mas que não deixam de se fazerem notáveis. Já tinha ouvido que a Sylvia era racista e antisemita e não posso afirmar a veracidade disso, mas o livro contém sim muitas passagens e comentários racistas e gordofóbicas por parte da personagem.
Acredito que todas as discussões sobre feminismo, direito das mulheres e revolução sexual que podem ser feitas a partir do que é levantado nesse livro são muito válidas, especialmente porque sabemos que a realidade da época não era fácil e, ainda que muita coisa tenha mudado, não chegamos no nível de evolução e desconstrução que já devíamos e podíamos ter chegado.
No entanto, o que mais me impressiona, ainda que não tenha me tocado como eu gostaria e esperava ? e sei que isso se deve ao fato de eu nunca ter passado por experiência parecida com a da protagonista e da autora em relação a transtornos mentais, é como o tópico em questão é abordado aqui. Para mim, pareceu que essa foi a forma da Sylvia colocar tudo que sentia para fora e tentar explicar para si mesma tudo que se passava com ela. Digo isso por conta da alegoria da figueira, uma das coisas que mais me identifiquei nesse livro, e também por algumas passagens.
Não sei muito sobre a biografia da autora, mas achei interessante como em um momento do livro a protagonista, Esther, resolve em meio ao seu turbilhão de confusão mental escrever um romance, e pensei como é irônico o fato de a própria Sylvia ter escrito um romance quase autobiográfico. Em outro ponto da história a Esther também comenta sobre uma paciente da clínica que provavelmente devia está sendo traída pelo marido que, enquanto ela estava na clínica, morava com a amante. Claro que é uma suposição da personagem sobre outra personagem, mas pelo que li, a própria Sylvia passou por isso no momento em que provavelmente estava escrevendo esse livro, uma vez que quando ela se suicidou seu marido estava morando com a mulher com quem ele a traía.
O final do livro que ficou em aberto também me parece uma tentativa de Plath tentar simbolizar a incerteza de seu futuro. Não sabemos se Esther recebe alta ou não da clínica, apenas que ela está aparentemente melhor (o que não acredito visto que a mulher sofreu tratamento de choque, método nada eficaz, mas ao menos ela parecia melhor), e eu acredito que isso pode significar as próprias dúvidas que a autora tinha sobre sua doença mental, talvez naquele momento ela tivesse esperanças de que ficasse bem, mas ao mesmo tempo havia a incerteza de que não.
?A Redoma de Vidro? é um livro necessário e que pode despertar grandes impactos em quem se encontra ou se encontrou em uma situação semelhante à retratada aqui, mas que não deixa de formigar em quem também em algum momento se viu diante da figueira da vida ou sob a sua própria redoma de vidro, o que acredito indubitavelmente que qualquer ser humano possa estar susceptível a se encontrar algum dia.