@tayrequiao 15/06/2024Uma ressalva...Talvez essa seja uma das narrativas mais clarividentes do séc. XX.
Digo isso porque, quando publicada, o mundo ainda não tinha nem ideia dos horro*res que vivenciaria com a ascensão do partido nacional-socialista na Alemanha. Ainda assim, Mann - que observara o início e a consolidação do totalitarismo fascista na Itália - já alertava sobre as práticas de sugestionamento e manipulação que eram utilizadas como instrumentos de controle e poder pelos regimes ditatoriais.
Nessa novela, encontramos um paralelo entre o palco de Cipolla, mágico que hipnotiza os cidadãos da pequena Torre di Venere, e o palco de Mussolini, que “hipnotizou” o povo italiano através de uma propaganda que glorificava o passado glorioso da Itália como forma de acentuar o orgulho nacional e, assim, ganhar apoio popular.
Essa analogia da hipnose me incomoda.
Ela sugere que as populações sob tais governos estariam ao menos sob um estado elevado de inconsciência, o que desconsidera o papel que muitos desempenharam no apoio a esses regimes. Aliás, muitos não apenas apoiaram, mas participaram ativamente das suas políticas repressivas e violentas, seja por convicção ideológica, por benefícios pessoais ou por medo de se opor.
Ao relacionar a inércia popular diante do absurdo a um estado de “hipnose”, corre-se o risco de exonerar seus apoiadores das responsabilidades pelas suas ações. A violência, a repressão e as atrocidades cometidas não foram apenas obra de líderes carismáticos, mas também de milhares de indivíduos que, de forma consciente (frise-se), optaram por seguir, implementar e exacerbar essas políticas.
Muitos inclusive acreditavam que essas regimes ofereciam soluções para crises econômicas, segurança contra ameaças internas e externas, ou um renascimento nacional. Construir, ainda que indiretamente, uma analogia de uma população simplesmente “hipnotizada” por líderes autoritários acaba simplificando demais a realidade e dificulta uma compreensão mais profunda das razões pelas quais essas ideologias encontraram terreno fértil em certos momentos históricos.
Sigo achando a escrita do Mann magnética e indicando sua leitura, mas registro a ressalva à analogia usada.
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