Jhons Cassimiro 07/11/2016
Como domar o lobo da estepe
É mais do que evidente que existe diferença entre ouvir Mozart numa sala de concerto e ouvir as mesmas composições através das ondas do rádio. Ouve-se o rádio pelos pequenos alto-falantes, e apesar de, em muitos casos o sinal ser transmitido via internet ? não havendo mais o chiado característico do antiquado meio de comunicação ? corre-se o risco do wi-fi cair e não ser possível apreciar as ricas melodias. Há também bastantes diferenças entre apreciar música clássica e música popular. Soaria pedante fazer comparações a respeito disto, uma vez que quem atribui peso e valor a estas diferentes vertentes, é cada um de nós. Correria o risco então, de ferir o gosto do leitor.
Não é razoável julgar e dizer quem está do lado mais valoroso. O mesmo se dá com a vida em seus diferentes aspectos. Qual a maneira correta de encarar as situações? Certamente há diversos caminhos. A vida não é sempre pomposa como um concerto de Mozart. Na maioria das vezes ela não é, mas não por isso se deve fechar os ouvidos e a alma aos outros milhares de sons e sentimentos.
Pensando de maneira diferente, Harry Harler ? o personagem principal do livro O Lobo da Estepe, do alemão Hermann Hesse ? leva uma vida embalada pela melancolia dos dias cheios de pensamentos que o corroem por não estarem de acordo com o que o cidadão comum costuma pensar (ou não pensar). Sente que apenas a morte o livrará do tormento que é viver em um mundo onde as pessoas não dão valor à filosofia e agem de má-fé em relação a sua liberdade de fazer da própria vida ou do mundo, um lugar melhor.
O cidadão comum enxerga Harry como um coitado que está fora da sociedade, vivendo às margens, por não compartilhar sua presença no convívio social, por ter transformado sua personalidade semelhante à de um animal acuado que se isola nas estepes. O próprio Harry se autointitula lobo da estepe ao se ver como um animal extraviado que não encontra abrigo em ambientes de festas, superlotados, onde se toca música vulgar. Vê-se separado, de certo modo superior aos outros homens, levando a vida como um drama épico, cercado por livros de filosofia. Enxerga o mundo de maneira dicromática. É preto ou branco, lobo ou homem. Oscila entre esses polos e encontra-se angustiado perante tal situação.
Seu pensamento e modo de viver encontram razão ao se observar a defesa que o personagem faz ao longo do livro. Ao se deparar com almas semelhantes à sua, reconhecem-se como em um espelho. Critica o fato da maioria das pessoas viver sem pensar, sem se voltar para dentro de si. E justamente por isso viverem felizes com a comida e a bebida, o café e o tricô, o jogo de cartas e a música de rádio. Quem aspira outra coisa e traz em si o heroico e o belo, é considerado louco.
Apesar do potencial que existe em cada um, a vida "obriga" o indivíduo a agir de acordo com padrões de normalidade, uma vida enquadrada em regras preestabelecidas, fazendo com que aqueles que dispõe-se a pensar mais a fundo, enveredem-se para caminhos infelizes como um casamento por dinheiro ou até mesmo ao suicídio.
No mundo dito real não há lugar para sonhadores. Resta o lamento.
A razão de seu pensamento começa a declinar ao entrar em contato com Hermínia, uma versão feminina de um suposto amigo seu, mas que certamente encaixa-se como uma versão feminina de si mesmo. A jovem o conduz ao ?mundo real? e tenta fazê-lo perceber que é necessário dar mais leveza aos dias, ficar feliz com as pequenezas do cotidiano, coisa tão criticada por ele.
Após exercitar seu lado ?normal? durante um tempo, incentivado por novas amizades, reconhece que o indivíduo não é apenas composto pela simples divisão de lobo e homem, mas sim, portador de inúmeros polos. Percebe que pode atingir a maturidade ao entender uma forma melhor de jogar a vida. Mudara sua conduta, apesar de ainda existir dento de si o lobo da estepe.
Não estava totalmente errado ao criticar anteriormente o burguês, que não se dedica à reflexão. É só através da imaginação que o indivíduo é levado a enxergar que existem diferentes caminhos, mas só é possível percorrê-los a partir do momento em que se deixe de lado o excesso de juízo, dando lugar ao riso. Ao se levar muito a sério, deixa-se de ouvir as músicas diferentes, de sentir a riqueza do viver. É vital ir para avenida, desfilar a vida, carnavalizar. Enxergar as diferentes personagens contidas em cada alma humana, procurar eternamente as mutações em si mesmo, conduzindo-se à imortalidade.
O livro opõe-se ao mundo monocromático daqueles que buscam na solidão, o refúgio e sustentação de seus pensamentos e sonhos. Anseia mostrar uma possível saída através do pensar voltado pra diferentes possibilidades, onde o mundo é multipersonalístico.
?É necessário aprender a reverenciar a ?música de rádio da vida? e ver o espírito que existe por detrás dela e rir-se da confusão que há na frente.? (Hermann Hesse)