Zeka.Sixx 30/01/2024
Bem interessante, mas apenas para os fãs mais fervorosos
O fato de este livro ter sido batizado com o mesmo título do famoso "Sobre a Escrita", do Stephen King, pode enganar alguns leitores, então é bom esclarecer: diferentemente do livro de King, esta obra é uma compilação de cartas (às vezes, apenas trechos de cartas) escritas por Bukowski entre 1945 e 1993, endereçadas a amigos, editores e escritores.
Boa parte dos destinatários das cartas são editores de inúmeras revistas ou jornais literários, para quem Buk, ao longo de boa parte da vida, enviou poemas e contos para publicação em troca de alguns trocados, prática comum nos Estados Unidos.
Por se tratar de uma obra publicada postumamente, literalmente "revirando o baú", é, logicamente, uma leitura para os fãs mais aficcionados do Dirty Old Man, como eu. Mesmo assim, confesso que o primeiro terço do livro não me fisgou tanto. A partir do momento em que o livro chega ao final da década de 60, e dali em diante, o livro cresce MUITO, e começam a pipocar diversos trechos memoráveis começam a surgir (eu, que nunca rabisco meus livros, me senti bem tentado a pegar um marca-texto). Fiquei especialmente em descobrir que, no dia de seu aniversário de 45 anos, Bukowski sentou bêbado em frente à máquina de escrever e escreveu uma longa, sincera e reverente carta para Henry Miller.
É nítido como a boa repercussão de seu "Notas de Um Velho Safado", que o impulsionou a se aventurar no romance pouco depois, e a sua saída do odioso emprego nos Correios foram fundamentais na trajetória de Buk. Ali, entre o final dos anos 60 e até o fim de sua vida, foi quando ele foi gradualmente ganhando popularidade (não que desse bola para isso) e, ao mesmo tempo, confiança. É a partir desse período que as cartas se tornam realmente interessantes, com Buk disparando pancadas, farpas, chamas e muito mais, enquanto discorre sobre seu processo criativo, a mediocridade da maioria dos autores contemporâneos, sua tríade sagrada (Fante, Céline, Dostoievski).
É um livro interessante para se conhecer o HOMEM Bukowski, e não a "persona" Velho Safado (e misógino, machista, racista, homofóbico, blá-blá-blá) que muitas pessoas criaram para ele ao lerem sua... FICÇÃO! Ele, inclusive, ironiza, em várias cartas, os ataques que sofreu dos "canceladores" da época.
Esta edição da Harper Collins ainda traz nada menos que 3 desnecessários posfácios que tentam explicar aos inocentes leitores (os quais, certamente, não têm capacidade intelectual de tirarem suas próprias conclusões) que, sim, Bukowski era feio, bobo e malvado, mas que ainda sim sua literatura merece uma chance. Tudo parte do tal "forte aparato anticancelamento" montado pela editora quando do anúncio de que iria republicar sua obra no Brasil. Tristes tempos...