I7bela 21/11/2023
Uma aula de como despertar no leitor as mais variadas sensações e emoções.
Corre em minhas veias sangue nordestino.
Meus pais vieram de lugares diferentes.
Não nasceram aqui, nesse Estado, nessa cidade que habito. Pela infância do meu pai: roça, enxada; pela infância da minha mãe: cocada, cozinha; por suas estradas se encontraram. Na pele, no cabelo, no falar, no jeito de andar o nordeste emana e floresce ainda neles. Desde das comidas que ainda gostam, cozinham, lembram, ao vocabulário que ainda citam e recitam. A cultura que transborda do nordeste é intensa, imensa e dela sou filha.
Em "Salvar o Fogo", Itamar (o escritor do famoso Torto Arado), reaparece com o aprendizado que somente quem tem o dom da palavra consegue transmitir. Luzia e o "Menino" não conhecem o amor, não falam sobre o amor, mas amam do seu jeito. Luzia e sua corcunda, seus conhecimentos que a transportam para um passado que não viveu, mas existiu, são forças da natureza, de um povo que habitou a terra muito antes da igreja e dos homens brancos. O olhar inquisidor da igreja à espreita, onde tudo vê, tudo julga, mas mata, abusa e culmina na infância perdida, na perda de qualquer chance de fugir pelo estudo.
A história dos nossos é e foi apagada, esquecida, devorada como os Tupinambá devoravam seus inimigos e nos reerguermos somente no que sabemos, no que nos deixaram saber. Na comida, na cantiga, na fé, na promessa de cidade ao longe que poderia trazer vida nova. A história de Salvar ao fogo é a nossa história. A história da família. Dos meus pais que saíram de seus respectivos povoados e vieram à "cidade grande" tentar a vida. A história do povo que vivia da terra. A história do povo que todo dia chega nessa cidade; a história do povo em movimento tentando sobreviver à fome, a seca, ao esquecimento de governantes.
É uma leitura atemporal, toca, resgata. Me transportou a um tempo e um lugar que nunca estive, mas pude presenciar com palavras. É quase como um encanto que lhe enfeitiça sobre andanças de um rio que transborda vida.
O livro traz o poder da igreja em controlar, moldar e ditar como o povo deveria temer aos seus, como deveria temer o "Mal".
nquanto cobra daqueles que nada tem impostos por uma terra que sempre esteve ali, sempre foi deles e esteve com eles muito antes do homem na embarcação.
Tudo que lhes foi ensinado foi sonhar com o lugar depois do Rio e que na próxima geração talvez os filhos e netos venham mais claros e tenham mais sorte. É assim que a dona Alzira, mãe de Luzia, acredita. Assim como no quadro "A Redenção de Cam" a sorte viria com a pele clara.
"Sobreviver era aprender a domar os medos (...) pg 75
" (...) Juntas, concluíram que o pobre não tinha direito sequer à própria cova. (...) pg 219
"(...) Sem nada dizer, sente agora Luzia liberta da religião (...) pg 303
"Salvar o fogo" é mais um presente sem igual de um dos meus escritores favoritos da vida.