TatáVasconcelos 21/06/2023
UMA DELICIOSA SURPRESA!
Esse livro merece ser explicado por partes.
* O ENREDO *
Há quinhentos anos, uma guerra mortal terminou em maldição. Os seis reinos de Lightlark foram divididos, e cada povo foi condenado a permanecer longe daquilo que fortalece seu poder.
Quanto à ilha, Lightlark vive sob uma intransitável e mortal tempestade. Completamente inacessível e isolada do mundo.
Mas a cada cem anos, durante cem dias, a tempestade cessa, e os seis governantes podem se encontrar para uma competição em que os seus poderes são testados até o limite, e eles têm a oportunidade de desvendar a profecia, quebrar suas maldições, e receber poder inigualável.
Mas tudo tem seu preço. Para que as maldições sejam quebradas, um governante deve morrer. E junto com ele, todo o seu povo.
Bem-vindos ao quinto Centenário de Lightlark!
Isla Crown, governante dos Selvagens, foi cuidadosamente instruída por suas tutoras sobre como agir para vencer este Centenário, quebrar a maldição, e salvar seu reino, à beira da extinção.
Mas ela não pretende seguir este plano. Ela tem um novo, e uma estranha aliança com outra governante.
Ao longo das quase quatrocentas páginas deste livro recheado de aventuras fantásticas, Isla enfrentará seus maiores medos, incontáveis perigos, sofrerá traições e decepções... E encontrará um grande amor.
Embora este seja um sentimento proibido para os Selvagens.
* A RESENHA *
Confesso que quando comecei a ler este livro, não fazia a menor ideia dos caminhos pelos quais ele me levaria, nem imaginava quanto ele me cativaria.
Eu sei que esse é um livro de fantasia, mas me vi criando teorias como costumo fazer com os livros de Agatha Christie, tentando desvendar os mistérios de Lightlark.
Porque esse livro é cheio de mistérios. As pessoas não são quem parecem ser, as coisas são reveladas sempre pela metade, e muito do que todos pensam saber é mentira.
Para desvendar a profecia e quebrar as maldições, eles terão que montar um intrincado quebra-cabeça, e cada um deles pode ter uma peça importante que o outro desconhece.
Eu confesso que eu amo livros que seguem essa estrutura em leque, de revelar as informações aos poucos. Se bem que, neste caso, muito do que havia para ser descoberto era bastante previsível.
O que não impediu que eu me surpreendesse com uma ou duas coisas.
Isla é uma governante que nasceu sem poderes. E como ela nunca pôde transferir energia para suas terras, o reino Selvagem está à beira da extinção. Apesar disso, ela está muito longe de ser uma donzela em perigo. Ela é, na verdade, uma das personagens mais fortes deste livro, destemida, guerreira – em todos os sentidos: com uma espada na mão, salve-se quem puder! –, inteligente e cheia de garra. Isla é o tipo da protagonista que não foge à luta. E não tendo poder próprio, ela se empodera com suas lâminas, muitas delas disfarçadas em acessórios de moda, e enfrenta todas as ameaças sem hesitação.
Seu erro, no entanto, é confiar demais em seu tolo coração. O que acaba permitindo que ela seja enganada por supostos aliados.
Por um lado, a trama é maravilhosa e rica em detalhes entusiasmantes. Por outro lado, muito de seu enredo é basicamente clichê. Mas não achei isso ruim.
Desde o princípio, eu suspeitei da pessoa certa. Não cheguei a prever que ela fosse responsável por lançar as maldições, mas sabia que ela estava envolvida com o responsável em algum nível.
Entretanto, o fato de desconfiar sempre da pessoa certa não me incomodou de forma alguma. Agatha Christie poucas vezes conseguiu me enganar. Que dirá Alex Aster!
Eu já esperava por isso. E, de certa forma, era mesmo muito fácil descobrir. Bastava prestar atenção nos elementos certos da narrativa, coincidências suspeitas, e coisas do tipo.
Apesar disso, o final foi muito menos óbvio do que eu esperava. Conseguiu me surpreender em alguns pontos.
Se a autora peca em alguma coisa foi em não explorar outros olhares ao longo da trama.
Todo o texto é narrado do ponto de vista de Isla. Em terceira pessoa, mas sempre seguindo a protagonista, o que limita o conhecimento do leitor sobre os outros personagens. O lado bom é que vamos descobrindo junto com a Isla as mentiras e verdades que vão sendo contadas. O lado ruim, é que não temos acesso aos planos e tramas paralelas, ou às estratégias dos outros governantes para quebrar as maldições. E alguns personagens praticamente só fizeram figuração ao longo da história; não chegamos a ver em profundidade seu caráter, sua personalidade, seus desejos, seus planos. Até mesmo suas verdadeiras intenções e participações na trama.
É o caso de Azul, governante dos Etéreos, um dos personagens com quem eu mais simpatizei no início, mas que teve pouquíssimo espaço para se desenvolver.
Cleo, governante dos Lunares foi destacada desde o início como uma vilã, inimiga declarada de Isla, e nunca nos foi mostrado um indício que seja de humanidade nesta dita cuja. Nem qualquer outra característica, na verdade. Ela não teve muita participação na história, e o pouco que vimos dela não nos permitiu conhecê-la realmente.
Eu imagino que Grim, governante dos Umbras, e um dos aliados de Isla, teria muito mais a oferecer do que aquilo que vimos. A autora o relegou ao esquecimento durante boa parte da história, e quando o trouxe de volta, o colocou rápido demais nos braços da protagonista. Se a intenção era me fazer desconfiar que ele só estava querendo fazê-la esquecer suas desconfianças, Alex Aster fez um excelente trabalho, pois foi realmente isso que pareceu.
E não dá para não comentar que eu não vi por onde exatamente o outro lado do triângulo amoroso realmente floresceu. O momento em que os sentimentos pareceram começar a se manifestar eu até identifiquei, mas a autora esqueceu de tecer o caminho para justificar um amor tão sólido.
Não que exista, de fato, um mapa perfeito, a ponte concreta por onde esse sentimento possa caminhar. Sim, ele é inexplicável, e para cada pessoa o insight acontece de um jeito diferente. Mas não fiquei totalmente convencida. Faltou química neste casal.
Com exceção de Isla, os outros personagens são bastante rasos. De alguns temos nuances mais claras de sua personalidade e de seu caráter. Tanto bons, quanto maus. Mas na maior parte do tempo, eles não são muito mais do que nomes que compõem o elenco de uma história.
* CONCLUSÃO *
Apesar de tudo isso, eu realmente amei Lightlark.
Não é a história mais original de todos os tempos; não é aquela fantasia definitiva sobre reinos amaldiçoados; não é a trama mais bem amarrada de todas – muito longe disso, aliás; a autora deixou inúmeras pontas soltas, mas também um gancho para uma continuação, que eu torço fervorosamente para ser publicada aqui, pois há muitos mistérios que eu ainda quero desvendar nessa história.
Mas é um livro muito bom. Uma deliciosa surpresa, para dizer a verdade. Eu não esperava que fosse gostar tanto.
Por ter sido comparado com Jogos Vorazes, e ter uma premissa que sugere um jogo mortal entre os governantes dos seis reinos, a gente espera uma trama cheia de carnificina, mas não. As batalhas do Centenário são muito mais diplomáticas do que a sinopse fez parecer, o que, na minha opinião foi bom. É exaustivo ver tantos livros de fantasia atualmente explorando violência, relacionamentos tóxicos e abusivos. Nisso Lightlark ganha de vários concorrentes do mesmo gênero.
Mas não pense que as batalhas não existem! Elas existem, sim, e são maravilhosas! Aliás, foram as partes que a autora melhor desenvolveu.
O romance também não ter ficado no centro dos holofotes é outro ponto positivo. Mostra que existe vida além das quatro paredes de um quarto, e da dependência quase crônica de outro ser para se sentir completo. Isla é independente, se vira muito bem sem essas complicações, e sua vida não gira em torno de um final feliz com um príncipe encantado.
Por fim, alguém pode ler essa resenha e dizer que eu estou imaginando coisas, ou vendo chifre em cabeça de cavalo, mas para mim foi inevitável notar o paralelo entre esta trama de fantasia e a emergência ambiental que assola o nosso mundo. O reino de Isla representa a natureza, que morre lentamente graças às ações irresponsáveis dos seres humanos. E se nada for feito, se nenhuma mudança ocorrer, o reino dela será extinto em pouco tempo. Como o nosso planeta, gritando pelo consumo sustentável de seus recursos e uma diminuição no nível de poluentes.
Não sei se foi intenção da autora criar esse paralelo, mas achei bom frisar, porque, até o momento, apesar de muito ter sido dito a respeito desse livro – especialmente no que toca as polêmicas sobre sua publicação e estratégias de marketing –, não vi ninguém fazer essa associação.
Não vou comentar as polêmicas, pois acho que já falaram disso à exaustão. Só vou comentar o seguinte: diz a lenda – inclusive na orelha do livro – que os direitos de adaptação foram vendidos para a Universal, e que ela será realizada pelos mesmos produtores de Crepúsculo. E longe de mim querer revirar esse defunto, mas eu espero, sinceramente, que o futuro diretor do filme não ceda à tentação dos filtros monocromáticos. Quem se lembra quanto o primeiro filme da saga Crepúsculo é verde, agradecerá!
* CONCLUSÃO DA CONCLUSÃO *
Se eu recomendo este livro?
Vou repetir o que sempre digo quando resenho livros divisores de opiniões: LEIAM! Com o coração aberto, imparcial, e sem se preocupar com os falatórios que repercutem no bookverso. Quando o assunto é a qualidade de um livro, o melhor juiz sempre será, indiscutivelmente, você.