spoiler visualizartealeaves 21/09/2022
Aterrorizantemente genial.
Minhas primeiras considerações quanto a esse livro são: se você tiver estômago fraco, não se aventure nessa leitura, porque são diversos gatilhos dos mais comuns aos mais absurdos.
Seguindo nessa linha, não comece a leitura achando que você terá um personagem preferido e a minha dica é: não se apegue à nenhum deles.
O livro começa já de uma forma difícil de engolir. Temos o personagem principal, Marcos Tejo, que trabalha no que se diz ser uma Planta de Processamento; nesse local são criadas os gados humanos que serão enviados para as fábricas, açougues, para algumas famílias e até mesmo laboratórios de experimentos humanos.
Nesse primeiros capítulos somos introduzidos à todos os processos da criação e da comercialização da "carne especial", como são chamadas, além da explicação de como funciona a desumanização das ditas "cabeças" que são criadas para o abate. A autora nos conta, de forma repulsiva, como é proibido a utilização de algumas palavras, como: ser humano, assassinato e canibalismo. Já que após a "transição" essas palavras entraram em desuso, pois agora o que antes era canibalismo e assassinato, virou algo completamente comum na sociedade.
Nosso personagem principal é completamente diferente de qualquer um que você pode conhecer ou já ter conhecido. Marcos é vazio, ele não tem humanidade e o que experimentou de amor e emoções boas é bem explicado que foi antes da transição. Descrito como frio, indiferente e insensível, podemos ver vários conflitos dentro de sua cabeça, já que ele é uma das únicas pessoas que acredita que o vírus que infectou todos os animais é uma invenção do governo para controlar a superpopulação mundial.
A escrita de Agustina Bazterrica deixa claro o quanto os personagens e, principalmente, Marcos são completamente vazios, que após a transição o que era de pior dentro deles foi libertado. Não se limitando apenas a descrição dos personagens, a escrita repleta de pontos finais, frases curtas, pensamentos inacabados e muitas vezes interrompidos é a imagem perfeita de que a importância que os seres humanos dão para os semelhantes é quase nula. Que a socialização a essa altura não é tão importante, já que todos são canibais e há o risco de parar no prato de alguém, já que o que é moral e ética para eles?
O livro é dividido em duas partes, pontuadas por acontecimentos importantes e podemos ver todo o desenvolvimento de pensamento de Marcos e as futuras consequências de suas escolhas e ações.
Uma das coisas que eu poderia dizer que eu senti falta no livro foram os recortes sociais. É citado por vários capítulos que as primeiras pessoas a morrerem ao se iniciar o surto canibal foram pobres e imigrantes. Além de deixar claro a existência da compra da "carne especial" de forma ilegal e mais barata; porém em nenhum momento é retratado como de fato isso tudo começou, mesmo que de forma implícita possamos interpretar que as minorias sociais foram as mais afetadas. Mas, de forma clara, a autora mostra que esse não é o ponto do livro; sua intenção é mostrar a crueldade humana, a falta de capacidade de pensamento individual, a hipocrisia e a corrupção que está entrelaçada na sociedade. A falta de amor e gentileza, o consumo desenfreado de carne e como isso está destruindo o planeta aos poucos. Ao contrário do que muitos possam esperar, nada se é falado de veganismo, mostrando de fato que Agustina só tinha em mente mostrar as atrocidades que o ser humano é capaz de chegar para saciar suas vontades individuais.
O plot twist deixado para o final foi um grande soco no estômago e não consigo pensar numa forma melhor para que pudesse ter terminado. Não há finais felizes. Apenas uma genialidade aterrorizante.