Junior Cazeri 10/07/2011
Escritor de linguagem direta e bem articulada, que vai da objetividade cortante a um lirismo triste em certas passagens, Eric Novello traz em Neon Azul uma série de contos costurados uns aos outros, nas tramas situadas no bar que dá título à obra, e também nos personagens, que se conhecem, esbarram, fazem sexo e matam uns aos outros. Não necessariamente nessa ordem. Um livro de fantasia urbana com um tanto de um realismo quase provocativo, para mostrar que o fantástico… ei, pode estar logo ali. Com criatividade, domínio do universo que criou para ambientar suas criaturas e desenvoltura literária, Eric surpreende os leitores com o desfiar de sonhos comuns levados à último potência.
“Invisibilidade” é o capítulo de abertura, que serve ao propósito de apresentar o ambiente do Neon Azul, seus frequentadores e funcionários a partir de uma visão externa, a de um mendigo que, logo, está envolvido com o lugar em uma trama de vingança e renascimento. Perfeito no primeiro objetivo, a apresentação, um tanto fraco no segundo. A história de Oscar tem mais furos que uma peneira e, mesmo com a condução firme, é difícil de engolir. Felizmente, isso não se repete em nenhum dos outros contos.
Em “Noites de Insônia” conhecemos um homem que nunca dorme e por possuir tal dom, ou maldição, se torna objeto de estudo científicos e algo mais. Com um trauma no passado e um novo negócio, chamado Neon Azul, Armando vai conhecer o Homem, seu futuro sócio e também personagem capaz de resolver seus conflitos pessoais. É um dos meus contos favoritos no livro, por mesclar de forma tão perfeita a crueza da realidade com a fantasia.
“O Boneco na Garrafa” é uma peça de decoração sinistra, um presente com a atenção de atrair boa sorte, dado a um advogado, o que acontece, no entanto, é que o boneco age de uma maneira muito suspeita. Eu achei a história divertidíssima, até pela informalidade da narrativa em primeira pessoa, com um texto fluído e dinâmico. A cena do pássaro é hilária.
Um serial killer é o protagonista de “Os Dois Lados“, cuja sede de sangue e animalidade, esmiuçadas com crueldade por Eric, vão levá-lo a um caminho perigoso e sem volta. O melhor do conto é o gancho que ele dá para outra história, mais a frente no livro. E o assassino é memorável.
“A Quarta Parede” e “A Última Nota” trazem os personagens para dentro do bar, explorando como eles se relacionam com o ambiente, que é diferente para cada frequentador, como é citado algumas vezes. A trajetória do pianista Dionísio, principalmente, é muito bem descrita e acredito que deixe uma compreensão definitiva do que é o Neon Azul e como ele afeta as pessoas. Os dois contos também deixam o autor mais a vontade para brincar com a linguagem, arriscar na narrativa, o que é um atrativo a mais.
“Invasão de Privacidade“, um dos mais fantásticos relatos da obra, traz como personagem Lucas Moginie, que já protagonizou outro livro de Eric, o “Histórias da Noite Carioca”, publicado em 2004 pela editora Lamparina. Nele, a história do Neon Azul deve ser retratada por Lucas, mas, algumas regras devem ser seguidas. E essas regras são bem estranhas. Divertido e cativante.
“Só Tinha Que Ser Com Você” é, indubitavelmente, o melhor do livro, que apresenta uma história que vacila entre sonho e realidade, sanidade e loucura, com um enredo não linear que, ao contrário do que acontece comumente, não confunde o leitor, mas sim acrescenta encanto à narrativa. Não tem como não ficar doido pra saber o que está acontecendo. E é aqui que o cruzamento mais interessante entre as diversas histórias acontece, dando unicidade aos contos.
O ponto final vem com “O Ponteiro dos Segundos” e “A Dançarina e o Sexo“, onde até uma certa lição de moral se faz presente. É como se Eric nos mostrasse: olhe, a tentação está ali, e é muito fácil chegar até ela, que te espera de abraços abertos. Mas você pode dizer não. Você pode ser mais que desejo e egoísmo, não importa quanto isso te custe. É uma idealização difícil, talvez até inaceitável para alguns, porém possível, e o autor fez bem em exibi-la. Aqui também o segredo do Homem é revelado. E as cortinas se fecham.
Neon Azul é mais que um livro de fantasia, é uma obra sobre desejos e o preço que ansiamos pagar para conquistá-los. É ver o homem pelo seu lado mais egoísta e antisocial. Um mergulho em um universo de trevas com luzes azuis, um mundo que é o seu e o meu, escondido em alguma avenida de nossos pensamentos, da qual rapidamente desviamos, mas que podemos adentrar com facilidade. Recomendo como um dos melhores livros que li esse ano.
Resenhado no http://cafedeontem.wordpress.com/