Craotchky 03/08/2020Ora, ora..."[Peri]
- O fruto que cai da árvore, não torna mais a ela; a folha que se despega do ramo, murcha, seca e morre; o vento a leva. Peri é folha; tu és a árvore, mãe. Peri não voltará ao teu seio.
[Mãe]
- A virgem branca salvou tua mãe; devia deixá-la morrer, para não lhe roubar seu filho. Uma mãe sem seu filho é uma terra sem água; queima e mata tudo que se chega a ela."
O Guarani, minha segunda experiência com José de Alencar, me impôs dificuldade no início por apresentar um português arcaico, povoado de palavras hoje em desuso, além de trazer um vocabulário próprio de certa fauna e flora, e reproduzir uma conjugação verbal nada usual. Além disso, essas primeiras páginas são árduas por descreverem paisagens naturais do cenário em que terá lugar a história (sempre acho complicado imaginar cenários naturais). Embora a narrativa continue um pouco exigente até o fim, fui me adaptando ao texto e, vencidas as 25/30 páginas iniciais, comecei a apreciar (apreciar muito) o livro e seus personagens.
Em determinados trechos Alencar consegue ser poético; uma poesia muito própria que se constitui em analogias com elementos do ambiente natural. Aliás, o trecho que principia este texto é um grande exemplo nesse tocante. Além disso, há claramente a presença de características da literatura Romântica como aquelas famigeradas manifestações transbordantes de amor, aqueles exageros sentimentais, aquela eloquência veemente nos discursos dos amantes.
Em minha opinião, o índio Peri, da Nação Goitacá, filho de Ararê, é a estrela de maior brilho na história, brilha tanto a ponto de ofuscar todos os outros. O amor de Peri por Ceci é aquele do ideal romântico, um amor submisso, dedicado, de entrega total, de adoração. Receio que está além de mim descrever esse amor. Eis o que diz o próprio livro:
"Em Peri o sentimento era um culto, espécie de idolatria fanática[...] amava Cecília não para sentir um prazer ou ter uma satisfação, mas para dedicar-se inteiramente a ela, para cumprir o menor dos seus desejos,"
Esse amor puro e devotado que Peri sente por Ceci supostamente não tem lugar no atual mundo moderno, sobretudo nos grandes centros urbanos, e por isso talvez soe inverossímil. Entretanto, teimo em acreditar que, ao menos quem sabe se bem lá no interior do Brasil, bem lá nos idos do século XVII, numa sociedade colonial constituída quando muito de pequenas cidades e povoados, sociedade essa na qual, segundo o senso comum, a ingenuidade, a inocência, a pureza por assim dizer, se conservavam por mais tempo; pois bem, insisto no direito de acreditar que talvez, nessas circunstâncias, nesse período histórico, numa distante sesmaria, fosse possível a manifestação de um amor tal.
Já estava gostando muitíssimo da história quando, antes mesmo da metade, no capítulo "Ceci", um determinado trecho conseguiu levar lágrimas aos meus olhos. Neste instante quase favoritei o livro. Enfim, ainda bem que não me deixei levar pela pontuação atribuída à obra aqui no skoob: somente 3,5. Acredito que essa nota se deve por se tratar de um livro ligeiramente exigente. E se problemas haviam no livro, não os notei por estar totalmente envolvido pela história em si; ou ainda, se os notei, instintivamente os ignorei.
p. s. a cada leitura fico mais convencido de que a Literatura Brasileira é uma das melhores do mundo.