Ronnayse
26/10/2020“Afirma Pereira” apresenta uma escrita bem diferente dos livros que já li, nos leva a imaginar que o livro tem um personagem que narra os fatos a alguém para que este relate/transcreva-os. Por isso, o “Afirma Pereira”.
É um livro cujo enredo e construção do personagem vai te envolvendo na trama de modo que você se sente parte dela e queira ver essa transformação acontecer.
O sr. Pereira, um jornalista solitário e viúvo, leva uma vida de forma bem simples, e sem se preocupar com o futuro. Preso às memorias do passado, vai levando a vida como se o futuro não existisse.
Embora jornalista, fato esse que faz questão de elucidar várias vezes, doutor Pereira parece um tanto alheio (sem se preocupar) com o que acontece no momento politico e social do país e dos países vizinhos. Afinal, como afirma Pereira, ele é jornalista de uma seção cultural, então a política não lhe diz respeito.
“O problema é que o mundo é um problema e, claro, não seremos nós a resolvê-lo” (p. 40)
Mas ao encontrar os demais personagens envolvidos na obra, Pereira começa refletir sobre seu próprio eu – mesmo que inconscientemente. O que o leva a um despertar politico e, principalmente, uma reconstrução de sua identidade.
“o fato é que por um lado estou contente de ter levado a vida que levei, (...) porém, ao mesmo tempo, é como se tivesse vontade de me arrepender da minha vida, não sei se me faço entender." (p. 58)
como aconselha o dr Cardoso "... pare de frequentar o passado, procure frequentar o futuro. (...) e, por favor, dê espaço ao seu novo eu hegemônico, deixe-o ser, precisa nascer, precisa se afirmar." (p. 120)
É tocante observar o desenvolvimento do personagem. "... as pessoas nos influenciam, acontece." (p. 107) E é com essa percepção que Pereira começa se reafirmar enquanto pessoa.
Com Pereira, percebemos que embora diversas vezes, queiramos nos isentar de alguma situação alarmante que esteja acontecendo a nossa volta, já estamos nos posicionando (até a falta de posicionamento é um posicionamento). E isso pode nos prender em um eu onde nós não nos reconheçamos.
É uma obra muito importante tanto no cunho politico e social quanto de autoconhecimento. E, mesmo escrita em 1994, é muito atual.
Super indico a leitura.