jota 04/08/2012J. M. = John MaxwellJ. M. Coetzee é John Maxwell Coetzee e Infância é o primeiro livro dele que leio. Faz parte da trilogia Cenas da Vida na Província juntamente com Juventude e Verão. É um livro curto (150 páginas nesta edição que li), como é curta nossa infância, que passa rapidamente. Da mesma forma que você lê este volume rapidamente.
Meninos são meninos e este livro parece ter mais chances de agradar aos leitores (leitores comuns que somos). Embora Vera, a mãe de John, seja uma das figuras mais marcantes do livro – ele se identificava muito mais com ela do que com o pai.
Todos os meninos devem ter um pouco desse John. Ainda que em parte nos reconhecemos nele, mesmo que as diferenças de tempo e espaço sejam profundas. Além do mais, John é africânder - nascido na África do Sul mas descendente dos holandeses que colonizaram a região.
Ele sabe pouca coisa de sua língua natal, apenas algumas palavras e frases. Na sua família todos falam inglês, ele mesmo queria ser inglês; acha os africânders rudes, grosseiros, briguentos e maliciosos – ao menos os meninos de sua idade.
Simpatiza com os russos, não com os americanos, ao contrário da maioria dos meninos de seu tempo. Finge ser católico para não assistir às aulas de religião protestante, enquanto frequenta a escola em Worcester. Mas é ateu e acredita entender Jesus melhor do que os frades de sua segunda escola, após a mudança para a cidade do Cabo. Em sua casa, quando um negro usa uma xícara ou um copo, depois a louça é quebrada quase sempre. Ele mesmo pode ser cruel quando quer e prefere ficar a maior parte do tempo sozinho do que na companhia dos familiares ou dos colegas de escola.
John é sensível e inteligente, quase sempre o melhor aluno da classe e ainda que veja as coisas pelo prisma de sua idade, ela pensa em tudo aquilo que é importante na vida: nascimento, vida e morte. É bastante observador (especialmente das características físicas das pessoas), não gosta de ficar nu perto dos outros, não permite que a mãe o veja assim. Mas já pensa muito em sexo e afinal, de onde vêm os bebês? Ah, esta é uma das partes mais saborosas do livro, mesmo que não tenha sido escrita exatamente para nos divertir. Como tantas outras.
Um dia, quando ele e o pai ainda se davam bem, quando o pai ainda não se tornara um alcoólatra, quis saber quem era o escritor mais importante do mundo. “Shakespeare”, o pai responde. Então ele quer saber quantos livros Shakespeare escreveu - seu autor preferido, um certo P. C. Wren, autor de histórias da Legião Estrangeira francesa, escreveu quarenta e seis volumes. Logicamente o pai não sabe (pouca gente sabe, de fato) e John começa a duvidar dos conhecimentos dele e da importância do autor inglês. Ao mesmo tempo em que passa a ler Titus Andronicus e depois Coriolano...
E pelo jeito, todos aqueles livros, aliados à sua introspecção, só fizeram bem a Coetzee, ganhador do Nobel de Literatura de 2003 e um dos escritores modernos mais respeitados.
Infância se insere naquela categoria de livros de ficção autobiográfica, mas como é narrado na terceira pessoa, parece que você está lendo a biografia de outra pessoa que não a do próprio autor, e isso é meio estranho, ainda mais que o estilo de Coetzee é seco, distante. Mas isso é muito menos um defeito e muito mais uma qualidade do escritor. E Infância é, acima de tudo, um livro interessante, apaixonante, que não se quer largar.
Está ficando repetitivo dizer, mas este também irá para minha lista de melhores leituras de 2012. Não tem como não ir.
Lido entre 01 e 04.08.2012.