Dhiego Morais 12/07/2020Motivos para lerTem livro que você olha – não precisa nem refletir muito – e já pensa: isso aqui vai ser muito bom. Algumas vezes nós acertamos com essa intuição; outras nem tanto. Mas há casos – oh, sim –, de histórias que já nasceram para serem enaltecidas; histórias que ao serem finalizadas, fazem da mente e do coração do leitor um verdadeiro campo minado de sensações. Silvestre, de Wagner Willian é desse tipo. Para mais.
Silvestre se tornou uma das melhores leituras em quadrinhos que fiz em 2019. E isso não é pouca coisa, considerando-se as dezenas de HQs, Graphic Novels e mangá que tive a gratificante oportunidade de conhecer. O que Willian faz ao longo das páginas merece ser compartilhada com todos vocês.
1. QUEM É WAGNER WILLIAN?
Essa é uma boa pergunta e devo admitir, antes de qualquer coisa – e com certa dose de vergonha –, que até poucas semanas também não saberia responder de imediato. Willian é um artista nacional talentosíssimo, responsável por várias narrativas gráficas de igual teor de sucesso, tais como: Lobisomem Sem Barba (2014), Bulldogma (2016), O Maestro, o Cuco e a Lenda (2017) e Martírio de Joana Dark Side (2018).
Seu talento para as artes é notório, tornando-se finalista e tendo recebido por elas diversos prêmios importantes no universo dos quadrinhos, sendo os principais: Prêmio Jabuti (2014), Troféu HQMix (2016), Prêmio Grampo de Ouro (2016).
2. A ARTE DE SILVESTRE
A Darkside Books vem lançando quadrinhos muitíssimo interessantes desde que inaugurou o selo Darkside Graphic Novel, não somente referente à temática das histórias, mas também quanto à arte de seus quadrinistas. Como título de exemplo, cito Black Dog, de Dave McKean e Paraíso Perdido, de Pablo Auladell.
Embora Silvestre não tenha os mesmos traços das obras citadas acima, possui uma singularidade que a torna tão especial quanto: cada página é uma perfeita pintura em tela. A forma como as ilustrações, aliada a sua belíssima paleta de cores é capaz de protagonizar, individualmente, o seu próprio enquadramento, deve espantar e admirar quem não resistir observar.
Willian se utiliza de várias escolas artísticas para atribuir verdade e significado aos seus quadros e as suas personagens. E faz isso com maestria. São por artistas assim que continuamos lendo.
3. A NATUREZA DO ISOLAMENTO
Outro ponto que merece ser destacado, é claro, trata-se justamente da história de Silvestre. Dividido em três capítulos (ou momentos), Willian nos apresenta um velho caçador que, embrenhado em uma vasta floresta e planície sem fim começa a questionar sua própria velhice. Já não é o mesmo de muitos anos atrás; suas rugas já são evidentes e sua visão não é mais tão aguçada. Seus instintos, sim, seus instintos ainda estão lá, adormecidos, mas tão vivos quanto a natureza poderia ter feito.
As páginas nos aproximam do velho, que rememora o passado, enquanto acredita ser caçoado pelo tempo e pela vida silvestre que o rodeia.
A história continua, e Wagner Willian nos guia diretamente à cabana desse velho caçador, que após uma noite dolorosa de sono se dispõe a fazer a mesma torta que sua antiga mulher fazia: uma torta de restos. Entenda: na narrativa gráfica do autor, o indomável se torna selvagem; a natureza se torna silvestre; a intervenção humana, um cataclismo.
No segundo ato, A Celebração, a torta é o epicentro de todos os significados, cada um dos pormenores de Silvestre. Um Homem – em maiúsculo, verdadeira alegoria – recluso, afastado da sociedade, se vê parte da natureza e, por meio de uma torta de restos, aguça o paladar e a curiosidade de tudo o que não é humano: de bicho a criatura, de divindade a monstros selvagens, heróis e diabos, frutos do folclore e do sobrenatural. Uma celebração que deixaria as festas romanas no chinelo.
De maneira sorrateira, vem o final, que carrega cada fragmento de significado do que se faz de Silvestre. Tão impactante quanto Aurora nas Sombras, certamente promoverá no leitor uma deliciosa reflexão sobre nosso velho protagonista, sobre seu passado e, principalmente, sobre a concepção de ser ou estar silvestre.
4. O LETREIRAMENTO
Por fim, acho bacana ressaltar a importância do letreiramento para Silvestre. Graças ao trabalho excepcional de Arion Wu, boa parte do texto de Wagner Willian carrega o seu próprio significado. A alternância das fontes, seu design e sua disposição ao longo das páginas atribui um charme a parte. Palavras como descendo (as letras se inclinam, quase como se escorregassem e descessem pelo papel) e enorme (as letras crescem repentinamente, se destacando), são exemplos simples e que representam o cuidado de Arion com a obra.
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