Higor 15/12/2023
"LENDO NOBEL": sobre a percepção que cada um tem a respeito do tempo
Acredito que Annie Ernaux não seja para mim. Digo isso porque, desde 2014, ano em que o também francês, Patrick Modiano, foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura, eu paro tudo o que estou lendo e acompanho o laureado da vez, onde compro o livro disponível (se tiver tradução disponível, claro, o que nem sempre acontece) e leio imediatamente, sem saber detalhes da obra, mas para entender as escolhas da Academia e se a láurea é, no mínimo, compreensível.
Logo, com Ernaux não foi diferente: após saber que fora a contemplada do ano, eu fui à livraria mais próxima, em meu horário de almoço, comprei o livro disponível, este "Os anos" (numa edição já à época esgotada da finada Três Estrelas, afinal, a autora era uma completa desconhecida no Brasil, e não o fenômeno de hoje) e comecei a ler ainda no mesmo dia, parando tedioso na página 46.
Desde então, li o sincero "O acontecimento" e o esquecível "O lugar" (que sequer fiz resenha), e depois de um ano e dois abandonos, além de algumas folheadas preguiçosas e de me esquivar ao vê-lo na pilha de livros a ler, eu me obriguei a finalizar este "Os anos", em parte frustrado com os livretos lançados e por seu dito magnum-opus ser tão apático.
Pois bem, Annie Ernaux foi justificada por "descortinar os constrangimentos coletivos da memória pessoal", onde, ao menos neste livro, se fazem presentes nas mudanças individuais e coletivas ao longo de quase 60 anos de uma França em constante mudança, os ditos anos do título, desde sua infância até pouco depois da aposentadoria.
Como não poderia deixar de ser, o período escolhido contempla um sem-número de fatos e acontecimentos, assim como o prisma com que notícias e situações pesam sobre a vida de uma pessoa se modifica drasticamente, ora vai ganhando ou perdendo o interesse, a depender da idade dessa garota-personagem, nunca tida como eu, e sim como ela, em terceira pessoa, uma impessoalidade que, ao mesmo tempo que a isenta, torna-a um tanto apática.
Então é muito interessante acompanhar uma criança brincando na sala com seus primos, mas que se lembra, quando adulta, de ruídos de conversas adultas sobre uma Segunda Guerra; assim como os desdobramentos da Independência da Argélia do domínio francês, que ganham mais importância para uma mulher jovem-adulta, onde até se permite ir às ruas protestar; ou até mesmo como a mesma mulher se choca com os atentados terroristas do 11 de setembro, por exemplo, mas acompanha tudo do conforto de sua casa, na televisão, e se pergunta onde está a geração jovem que protesta por todos.
No entanto, embora "Os anos" tenha um ótimo objetivo e maravilhosas intenções, tudo é muito brevemente comentado e logo esquecido. Eu até entendo que talvez esta seja justamente a intenção de Ernaux, pois ao longo das páginas, desde a epígrafe de Tchekhov até a última linha, a autora nos lembra de que o tempo é passageiro, castiga, e que, assim como nos esquecemos facilmente das coisas, seremos facilmente esquecidos, mas ainda assim, a impressão que eu senti foi de que estava lendo um livro do tipo "Assunto x para quem tem pressa", "Assunto Y em 90 minutos" ou até mesmo um bom livro didático de História da França, em que a autora tece breves comentários cronologicamente sobre o país natal e seus respingos no mundo.
Fatos históricos como Acidente Nuclear de Chernobyl e os Ataques de 11 de Setembro de 2001, por exemplo, são leve e rapidamente mencionados, à medida que menções a epidemia de HIV e Guerra da Argélia até ganham mais menções, enquanto o quadro político-social francês têm mais destaque, tal como os livros de História possuem parte dedicada a História de seu país e até pelos temas que certamente mais impactaram sua vida.
O ponto positivo de "Os anos" vai para os assuntos de amplitude universal, que abraçam a todos, independente de nacionalidade, religião, ou sexo, como a luta pelos direitos humanos, direitos da mulher, luta contra a guerra, homossexualidade, ciência e questões sanitárias e até mesmo o avanço descontrolado, abrasador e sufocante da tecnologia e sua consequente globalização. Nesses momentos, como não deixaria de ser, mesmo Ernaux na França e eu aqui no Brasil, ela falava a minha língua, narrava o que eu mesmo vivenciei ou acompanhei em algumas situações.
Insípido e distante do leitor, "Os anos" parece levar ao pé da letra a intenção de Annie Ernaux, de que, com o passar do tempo, dos dias e até mesmo dos anos, seremos todos esquecidos, assim como este e tantos outros livro serão esquecidos, deixarão de ser traduzidos, publicados e cultuados, mas se esquece de tantas obras, tantos clássicos, que sobrevivem a décadas e séculos e se mantém vivos, fortes, contundentes até os dias de hoje.
Este livro faz parte do projeto "Lendo Nobel".