Rosa Santana 25/04/2011
O ESPELHO
O que temos em O Espelho é um tipo de narrativa chamada de encaixe.
Ou seja: um narrador observador começa a nos contar os fatos, descreve-nos o cenário, fala-nos dos personagens que estão a discutir e aí nos conta de um que se mantém distante, que não se pronuncia... Ele (Jacobina) é conclamado a participar da discussão, mas, como não é afeito a esse tipo de ação , toma a palavra e começa a narrar sua experiência e se assume então como um segundo narrador, que conta sua própria história. No final, o narrador um, que se afastara, reassume a voz narrativa.
Gerárd Genette diria que Jacobina é um narrador autodiegético ou seja, aquele que relata suas próprias experiências como personagem central da história. O narrador um seria, na concepção de Genette, heterodiegético: aquele que relata fatos que lhe são estranhos no sentido de que ele não os vivenciou. Ou: ele não integra nem integrou, como personagem, o universo diegético em questão.
Se fôssemos representar em forma de gráfico poderíamos desenhar um retângulo (a narrativa de Jacobina), dentro de um outro, mais amplo representando a narrativa aquele narrador que detém a “voz narrativa” mas que, em um determinado momento, cede-a ao alferes. Por isso esse tipo é chamado de “narrativa de encaixe”.
Tenho a acrescentar que Jacobina, o narrador dois, conta a sua história e se revela como sendo uma pessoa pronta, acabada. Ele não aventa a possibilidade de discussão! Alguns exemplos:
. Não discutia nunca; e defendia-se da abstenção com um paradoxo, dizendoque a discussão é a forma polida do instinto batalhador, que jaz no homem, como uma herança bestial; e acrescentava que os serafins e os querubins não controvertiam em nada, e, aliás, eram a perfeição espiritual e eterna.
.” - Nem conjuntura, nem opinião, redargüiu ele; uma ou outra pode dar lugar a dissentimento, e, como sabem, eu não discuto”
.” - ... Espantem-se à vontade; podem ficar de boca aberta, dar de ombros, tudo; não admito réplica”
"Sozinho no sítio pôs-se triste, nem comia, "sentia uma sensação inexplicável... como defunto andando, um sonâmbulo, um boneco mecânico." Por que? Porque ele precisava de outros à sua volta, para bajulá-lo. Era a adulação, a bajulice que ele recebia do outro que definia sua personalidade. Sem ninguém por perto, ele tb era ninguém... ou seja: um desprovido de espelho... Que era tanto aquele objeto grande na parede, mas que era tb o outro objeto, aquele falante que o rodeava, que o bajulava...
Jacobina demonstra ser uma pessoa que, não admitindo réplicas, não admite o outro como pessoa, como sujeito, apenas o vê como bajulador, como um medalhão, teoria que MA expõe no conto “Teoria do Medalhão” - presente nesse mesmo livro. Ele se julga, como os serafins e os querubins, a perfeição eterna...
O Espelho, nesse conto, distancia-se daquele descrito por Manuel Bandeira:
"Espelho, amigo verdadeiro
tu refletes as rugas, os meus cabelos brancos"
Também daquele de Cecília:
"Eu não tinha esse rosto de hoje
assim calmo, assim triste, assim magro...
... nem esse lábio amargo."
Porque aqui, ele apenas reforça o externo. Busca a aparência. E, diga-se: a aparência que revela o "corpo sarado", a roupa que será bem apreciada pelos outros, que dará status; Aqui é visto não como uma volta para o interior, mas apenas para refletir o externo: a farda e o que ela representa: a máscara, o eu social de cada um, que, como diz Fernando Pessoa, já estava "pegada à cara"
Enfim, o conto mostra que o indivíduo acaba por se transformar naquilo que aparenta, como se fosse impossível exibir impunemente essa ou aquela máscara e depois se desfazer dela...
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TEORIA DO MEDALHÃO
Sobre esse conto, é importante ressaltar a técnica usada por MA: o narrador se afasta, para criar o chamado “tipo dramatizado”, ou seja não há descrição do cenário, dos personagens, não há a mediação do narrador. Isso para que não haja suspensão das cenas. É no discurso das personagens que o espectador/leitor vai montando o cenário, assim como vai, também, apossando-se do conceito do que seja o “medalhão”. Esse termo (medalhão) é, em nenhum momento, definido diretamente. Pelo contrário, é do conjunto que nasce o verdadeiro medalhão, tal como o entende o pai. Assim é que no tempo preciso de uma hora, da noite de 05 de agosto de 1875, dia do aniversário de Janjão, o “professor” frustrado que quer ver concretizado o seu sonho no filho, recolhe-se, (das 23 às 24 horas) com ele, ao quarto - espaço de recolhimento propício e necessário para a aula que será ministrada.
É dessa maneira que o pai traça ao filho um retrato em branco e preto de uma realidade sem retoques: ambição, mesquinharia, interesse, oportunismo, cumplicidade, egoísmo surgem aos olhos do leitor revelando um ser humano sem idealizações, ou cuja idealização é, única e meramente, dar-se bem na vida.
Assim também o pai mostra que sucesso, prestígio, fama, dinheiro - que deveriam ser resultados secundários de ações positivas – convertem-se em finalidade absoluta das ações ou: elas são o valor-em-si. Por isso ele cita Maquiavel aquele que diz: os fins justificam os meios. O dinheiro, o sucesso, a fama(...) justificam quaisquer atos perpetrados, pois o importante é que eles sejam obtidos!!!
Outro fato interessante é o de que os vinte e um anos, na verdade, é passagem da adolescência para a maioridade, e a “aula” é o rito de passagem para que o agora "maior" reja sua própria vida, siga seu próprio caminho segundo o que lhe acaba de ser ensinado!
A ironia machadiana se dá, sobretudo, porque o medalhão que o pai busca e define para o filho é um **personagem-tipo, que, na verdade, é o homem interesseiro, bajulador que visa a subir na vida a qualquer custo.
**personagem-tipo é, para a Teoria da Narrativa, o personagem que representa toda uma série de pessoas. Segundo essa mesma teoria, por isso, esse personagem é chamado de plano, porque é desprovido de profundidade. Ele se contrapõe ao redondo.
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