Rodrigo | @muitacoisaescrita 03/02/2020
O poder de nossas vozes
Nenhum discurso é neutro. Quando falamos, contamos nossas histórias, nossas narrativas, nossos pontos de vista, nossas vivências, etc, e causamos desconforto. Desconforto é incômodo necessário.
Especialmente para mulheres negras e mulheres de minorias étnicas no geral, suas vozes foram silenciadas sistematicamente. Como podem falar? Em "Erguer a voz: pensar como feminista, pensar como negra", bell hooks nos conta esse processo, nomeado por ela como autorrecuperação, onde o oprimido conta sua própria história, através de sua voz, através de seus próprios pontos de vista e experiência - coletiva ou individual.
No prefácio à edição brasileira, Mariléa de Almeida faz um comentário importantíssimo: "[...] nascer mulher e negra em 1952, no sul dos Estados Unidos, significava vir ao mundo em um tempo e espaço em que dizer o que se pensa era considerado inadequado. [...] As hierarquias construídas sob as diferenças de raça, classe e gênero, ou seja, os 'sistemas interligados de dominação', definiam não apenas quem podia falar e onde falar, mas sobretudo o conteúdo desse dizer".
O que é permitido mulheres negras falarem, levando em consideração o cisheteropatriarcado capitalista de supremacia branca? Erguer a voz contra esse sistema, portanto, torna-se um ato político. "A linguagem é também um lugar de luta", pois "o oprimido luta na linguagem para ler a si mesmo - para reunir, reconciliar, renovar".
bell hooks cita e dialoga com Paulo Freire em diversos ensaios, especialmente utilizando "Educação como prática da liberdade".
O livro não é tão academicista, no sentido de trazer grandes análises políticas, sociais ou econômicas; no entanto, é igualmente importante pois trás experiências pessoais de bell hooks e seu ponto de vista. Fala-se sobre o feminismo e como o movimento ajudou bell hooks a se autorrecuperar, sobre pedagogia, a experiência de hooks em Yale, a violência em relacionamentos íntimos, militarismo e imperialismo, sobre a homofobia, e mais. bell hooks também olha pro passado, para o seu 1º livro, e o processo árduo para sua publicação. Demorou anos para que ele fosse publicado, e só o foi porque, finalmente, a supremacia branca em movimentos feministas resolveu sentar e escutar a experiência de mulheres não-brancas. "E eu não sou uma mulher?", o primeiro livro de hooks, para ele, foi sobre autorrecuperação: escrever sua história e a história das suas, a necessidade de compreender a experiência das mulheres negras nos Estados Unidos, a vontade de erguer a voz.