Craotchky 29/05/2021A selva tupiniquimQuem, assim como eu, iniciar Asfalto selvagem após ler e/ou assistir resenhas sobre a obra pode chegar à leitura prevendo encontrar aquilo que tais apresentações são praticamente unânimes em insinuar: que este livro foi/é pecaminoso, imoral, indecente, devasso, lascivo, despudorado, cheio de erotismo, quando não de sexo explícito. Diante disso, fui irremediavelmente levado a crer que encontraria nesta selva uma fauna de personagens de vida sexual intensa, detentores de uma volúpia sempre em ebulição, fabricantes de toda sorte de desejos inconfessáveis, artesãos na arte de produzir pensamentos exclusivamente libidinosos, agricultores enquanto exímios cultivadores de instintos reprodutivos, estoquistas peritos em armazenar cargas volumosas de libido e lascívia, hedonistas ao conservarem acima de tudo o prazer como finalidade vital e, por fim, sempre exitosos ao jamais falharem em suas tentativas de praticar com enorme frequência o ato final ao qual todas essas manifestações naturais se destinam.
(Caro(a) leitor(a), peço que compreenda meu tom jocoso ao trazer esses excessos hiperbólicos no parágrafo acima. Perdoe também o número de adjetivos; acontece que adoro adjetivar.)
A despeito da brincadeira no primeiro parágrafo, o que quero dizer é que toda informação sobre o livro dá a entender que ele é permeado de sexo. Essa ideia de uma história cheia de luxúria pode atrair ou afastar pretendentes. Entretanto, aviso: não há descrições explícitas de sexo; longe disso! O narrador como que conta o que aconteceu, ou insinua, ou sugere, mas não narra o ato/fato. O sexo fica implícito. Aliás, é possível contar nos dedos quantas cenas de trelelê acontecem (implicitamente). Claro que o sexo está presente (diria até onipresente) praticamente todo o tempo, mas como força primordial, fazendo o papel de articulador, ou melhor, de motor das ações, relações e eventos narrados. O sexo é aqui somente o ponto de partida, aquilo que coloca as coisas em movimento, a faísca que vai se alastrando depois, se ramificando em consequências, cenas e ligações entre personagens.
De toda forma o sexo não é o único ingrediente dessa mistura. Quem leu/viu resenhas sabe que há aqui toda sorte de tópicos e tabus sociais sendo tratados como adultério, incesto, aborto, homossexualismo, suicídio... Contudo, como você já deve saber disso tudo, prefiro citar alguns outros pontos interessantes que poucos comentam: o cerceamento dos desejos carnais pelo respeito a determinados escrúpulos religiosos; a possível influência dos veículos de mídia em decisões de justiça; o esforço individual em exteriorizar apenas uma determinada imagem social do seu interesse. E eis aqui, justamente, talvez o cerne geral da obra: o confronto entre o sagrado [a conservação dos costumes sociais (públicos) e dos costumes familiares (privados)] e o profano [a subversão desses costumes]. Penso mesmo que esse enfrentamento constitui a essência da história.
Não posso encerrar esse texto sem mencionar o fator que mais justifica minha avaliação da obra: Nelson termina cada capítulo (todos curtinhos, em torno de cinco páginas) de maneira a provocar o(a) leitor(a) para a sequência imediata. Claro, a história foi publicada regularmente em um jornal, e seria auspicioso que cada edição puxasse a outra, de forma a fidelizar o público. O resultado é que, quase sempre, ao finalizar um capítulo, há um grande desejo de continuar. Eis um dos critérios que acho dos mais importantes para avaliar um livro: o quanto ele me fez desejar a próxima, a próxima a próxima página.