tiagonbraz 28/03/2022
A Educação da Vontade, de Jules Payot
"Como observa Bossuet, pouco basta para cada dia se a cada dia realizamos esse pouco; continuamos o caminho, mesmo num passo mais lento, se não estamos parados. O importante para o trabalho intelectual é, não digo a regularidade, mas a continuidade. O gênio é uma longa paciência, já disse alguém. Todos os grandes trabalhos foram realizados pela paciência perseverante."
Um livro de 1894 surpreendentemente atual. Payot traz conselhos práticos aos estudantes - o livro é direcionado para jovens de dezoito a vinte e quatro anos, conforme o autor - quanto ao domínio de si mesmo, por meio do combate aos vícios (a preguiça, a sensualidade, a abulia, as paixões) e o fortalecimento das virtudes.
É claro que, por ser um livro do final do século XIX, haverá certas passagens polêmicas, com ideias que possivelmente eram comuns para a época, mas que hoje seriam condenáveis (particularmente pelos politicamente corretos). Por isso, deve-se haver algum filtro na leitura do livro, e não deixar que estas passagens apaguem o tesouro que Payot entrega no restante da leitura.
A obra é divida em três partes, sendo a primeira, teórica, uma apresentação do problema - a falta de domínio de si mesmo -, o objetivo a ser atingido e duas teorias da "vontade", que o autor condena, pois, para elas, o esforço é inútil: ou o homem nasce com um caráter imutável, e não há nada a ser feito; ou que o domínio de si é algo simples, sem esforço. Payot, ao contrário, reitera a necessidade de esforço contínuo e diário, e que as derrotas ao longo do caminho são inevitáveis - mas o progresso é completamente possível. Como diz Bossuet, citado por Payot no livro: pouco basta para cada dia se a cada dia realizamos este pouco.
Também nesta parte, Payot discorre sobre os estados afetivos - as emoções e as paixões -, os quais têm o domínio de nossa vontade, e cabe a nós um esforço consciente, contínuo, para lutarmos pela soberania. Como diversos pensadores, ele considera os sentimentos meros resquícios animalescos, e deixar-se dominar por elas seria quase que cair na escala evolutiva. Entretanto, é dificílimo - e por vezes impossível - vencer as emoções, e Payot sugere algumas estratégias que podem ser utilizadas.
O autor também dá conselhos sobre as reflexões meditativas e a diferença delas para a leitura - a leitura preocupa-se com a busca pela verdade, enquanto a meditação é completamente pragmática: leva-se os aprendizados obtidos pelos estudos, adiciona-se as experiências pessoais e, enfim, chega-se à reflexão meditativa, em que se busca uma aplicabilidade prática dos conhecimentos adquiridos. Deve-se, portanto, transpor os aprendizados às ações diárias.
Durante a segunda parte, prática, Payot nos apresenta os inimigos a combater, particularmente a sensualidade e a preguiça. Sentimentos quase que normalizados nos dias atuais, e sem a menor tendência de combate a eles - e inclusive motivando-os -, é surpreendente ler uma obra que condene tais atos, e que dê motivação para uma vida com a menor quantidade destes vícios possível.
Por fim, Payot se detém no meio em que vive o estudante, dando dicas práticas sobre como agir em relação a colegas, amigos e mestres.
Algo interessante na obra é um "apanhado geral" de cada capítulo, uma conclusão que Payot faz no fim de cada parte - algo proveitoso, particularmente para, como recomenda Hugo de São Vítor, encontrar os princípios da obra.