Edu_H_ 02/07/2021
Dracul – A Origem de Um Monstro
Até os sete anos de idade, Bram Stoker era uma criança frágil que sofria de uma doença desconhecida que o mantinha acamado por maior parte do tempo. Era entretido pelas histórias assustadoras de sua babá, Ellen Crone, e submetido a constantes tratamentos por seu tio médico, incluindo a infame prática da sangria com sanguessugas, comum na era vitoriana. Aparentemente, de maneira súbita, ele curou-se e veio inclusive a se tornar um talentoso atleta em sua juventude. Buscando uma resposta para esse evento real, nasce Dracul, A Origem de um Monstro. E se Drácula fosse real, como afirmava o prefácio original cortado da edição final da obra? E se houvesse uma explicação sobrenatural para a cura miraculosa de Bram?
Numa colaboração entre Dacre Stoker – sobrinho bisneto do autor de Drácula e administrador do seu espólio – e o escritor J.D. Barker, o livro mistura folclore vampírico irlandês, anotações do manuscrito original de Drácula e a biografia de seu autor para criar uma história original que insere Bram Stoker e seus irmãos, Matilda e Thornley, no centro de uma trama de horror, utilizando-se de diários, cartas e telegramas para narrar como eventos da infância, envolvendo a misteriosa babá , Ellen Crone, voltam para assombrá-los na vida adulta.
Organizar a narrativa tal qual o romance seminal de 1897 parece uma escolha óbvia para esta forma de homenagem e prólogo a que Dracul se propõe. Entretanto, se no primeiro esse artifício epistolar aumentava a sensação de realidade dos eventos narrados e eram bem orquestrados de modo a serem fidedignos ao documento que representavam (seja carta, telegrama, diário de bordo, etc.), em Dracul, a escolha de reprisar esse formato soa arbitrária e torna os “documentos” inverossímeis.
Por exemplo, inicialmente, temos o protagonista, encurralado num aposento, utilizando-se de vários artifícios para tentar impedir que a criatura sobrenatural invada o local. Ele então começa a escrever num diário os eventos sobrenaturais da sua infância, de modo a registrar como chegou a esta situação atual. Os capítulos passam a alternar entre os segmentos “Agora”, narrado em terceira pessoa, e “O diário de Bram Stoker”, em primeira pessoa. Esse enquadramento narrativo contradiz o prefácio que apresenta o livro como uma coletânea de papéis cuja sequência se tornaria clara ao longo da leitura. Além disso, torna inverossímil a ideia de que alguém aterrorizado pela ameaça iminente de uma criatura sobrenatural se predisponha a começar a escrever um diário com dezenas de páginas rememorando a linha de eventos desde a infância.
Não obstante a inconsistência apontada acima, há de se reconhecer o entretenimento proporcionado pelo conteúdo. A leitura é fluída, e nos mantém engajados para descobrir os mistérios por detrás da história da babá Ellen e – caso você tenha lido o romance original – qual a conexão entre o que lemos aqui e o que seria publicado por Bram em 1897. Utilizando-se do conhecimento privilegiado de Dacre Stoker, J.D Barker é habilidoso ao mesclar fato e ficção, reimaginando passagens da família Stoker com a inclusão de elementos vampíricos, como a explicação para a cura de Bram e o relacionamento de Thornley com a esposa, o que funciona narrativamente e como um presente para fãs familiarizados com a criação de Drácula e a vida do seu autor.
A dupla consegue, também, construir uma atmosfera sombria de maneira eficaz – sem se estender demais em passagens descritivas que poderiam dissipar o suspense das cenas – usando o choque do gore em cenas pontuais, sem banalizar a sanguinolência das passagens retratadas. Há uma série de momentos em que a leitura se torna imersiva a ponto de parecer que estamos assistindo a um filme. A cena envolvendo sinos num necrotério e a "Sombra viva" invadindo o aposento de Bram são alguns dos melhores momentos de suspense e terror criados em Dracul, A Origem de um Monstro. Em suma, trata-se de um livro de horror com qualidades notáveis, mas que tem seu potencial para ser ainda melhor limitado pela ânsia de homenagear o clássico forçando uma estrutura documental para contar uma história que funcionaria melhor se tivesse mais liberdade para existir por si mesma.