Queria Estar Lendo 16/11/2018
Resenha: Moxie
Moxie é o quarto livro de Jennifer Mathieu e o primeiro a ser publicado no Brasil - pela editora Verus. Um young adult que traz uma protagonista corajosa, que busca na união feminina uma forma de combater o machismo cotidiano da sua escola e criar espaços seguros para as garotas interagirem entre si e prosperarem.
Vivian Carter é uma boa menina, uma boa aluna, com um medo terrível de chamar atenção na escola, parte de um grupo de amigas igualmente boazinhas e, até, passivas. Apesar de conhecer o passado de sua mãe, uma autentica Riot Grrrl dos anos 90, e das noções de feminismo que aprendeu desde a infância, Viv prefere passar despercebida entre seus colegas e a cidade inteira, andar de cabeça baixa até que possa deixar a pequena e conservadora cidade de East Rockport, no Texas.
Até o dia em que não consegue mais. Ao ver como as atitudes machistas dos garotos em sala de aula, que passam impunes, inibem as garotas de darem voz a suas opiniões e de participarem ativamente da sua educação, Vivian se inspira nas zines antigas de sua mãe - pequenas revistas feitas a mão que faziam parte do movimento Riot Grrrl para difundir suas ideias - e cria Moxie, a zine do ERHS que incita as garotas e encontrarem outras garotas que pensam como ela.
"Porque eu acredito de corpo e alma que garotas constituem uma força revolucionária que pode, e vai, mudar o mundo."
Ainda que morrendo de medo de ser pega ou acabar se colocando na mira das pessoas, Viv se enche de coragem escutando Rebel Girl, da Bikini Kill, e distribui de forma anônima as zines de Moxie nos banheiros da sua escola. Ela não sabia exatamente o que estava esperando alcançar com isso, mas certamente não imaginava que Moxie se tornaria muito maior do que ela ou a própria ERHS.
Moxie é o livro que eu queria ter lido aos 16 anos. Teria me aberto os olhos de forma absurda para os relacionamentos tóxicos que eu vivia e para as mensagens erradas que eu recebia dos meus professores e amigos - em especial sobre a minha capacidade cognitiva e a minha inteligência. Porque Moxie é o tipo de livro que abre olhos, inspira garotas e mostra, de forma clara, o poder da sororidade e da união feminina.
Jennifer Mathieu escreveu o livro de uma forma muito inteligente, incluindo noções básicas sobre o feminismo interseccional e "mitos" sobre o machismo em diálogos as vezes descontraídos e as vezes sérios, que soam naturais e fáceis. A Jennifer joga por terra a ideia de que "nem todos os homens" e, ainda, reforça o pedido de "acredite nas mulheres" quando elas fazem denúncias.
"Eu sei que nem todos os homens são babaca" eu digo para ele. "Eu sei disso. Mas a coisa é que, quando existem tantos caras babacas a sua volta, é meio difícil se lembrar disso."
Viv, a protagonista, foi com quem eu mais me identifiquei, embora visse, também, muito de mim ainda adolescente em uma de suas melhores amigas, Claudia. A narrativa é fácil e fluída e as inseguranças, os medos e a coragem de Vivian é muito real, é muito algo que a gente faria.
E aí temos também Lucy, a garota nova que tem uma boa noção do que é o feminismo e que nunca tinha enfrentado situações como as que vê em ERHS, onde é relegada a uma passividade submissa porque qualquer forma de resistência é vista como um ato rebelde que precisa ser punido. A indignação de Lucy, sua reação aos atos e as injustiças, me definem por completo nos dias de hoje.
Também gostei bastante dos avós de Viv e de sua mãe, acho que o contraste entre as gerações e o tema abordado serviu para reforçar como os tempos mudam, como as coisas evoluem, e como isso não é algo ruim. Como a desobediência civil não precisa ser sinônimos de encrenqueiros e como defender as pessoas a sua volta de injustiças e crimes sempre vale a pena.
Moxie também tem um romance que, embora não seja o foco do livro, é importante para a mensagem da autora. O feminismo ainda é muito visto como essa ideia de "somos odiadoras de homens" e a forma como ela usa o relacionamento da Viv para falar sobre amor e relacionamentos, sociedade e feminismo, foi bem bacana. Seth é um cara legal que, a princípio, parece ser o único para Viv. O início do romance deixa a gente com um sorriso bobo no rosto e torcendo pelos dois.
"É isso que significa ser feminista. Não humanista ou qualquer outra coisa. Feminista. Não é uma palavra ruim. Depois de hoje, talvez tenha se tornado a minha favorita. Significa garotas apoiando outras garotas. Garotas que querem ser tratadas como seres humanos em um mundo que sempre encontra maneiras de dizer que elas não são isso."
Mas conforme as coisas avançam, a gente vai entendendo as dúvidas da Viv. Seth se coloca como um apoiador do feminismo, mas como o machismo intrínseco da sociedade afeta ele de formas diferentes, nem sempre consegue compreender como Viv se sente e porque se sente daquela forma, e isso gera um atrito que eles precisam aprender a superar. Vivências diferentes refletem em pessoas diferentes e há sempre espaço para crescer e aprender em um relacionamento, e foi bacana ver isso desenvolvido na história.
Mas o ponto alto é, realmente, a sororidade e o apoio feminino. Quando Moxie toma forma e cresce para além de Viv, muito além, é lindo. Foi frustrante ver como tentaram sufocar Moxie pelo simples fato de dizer as garotas que elas não são obrigadas a nada, inclusive de aceitar abusos caladas. E foi frustrante ver que a administração de um colégio, que deveria garantir um lugar seguro para todos os seus alunos, está mais interessa apenas em "apagar" seus problemas.
Porém, foi extremamente recompensador ver aquelas garotas encontrando suas vozes, juntando-as em um uníssono que diz "basta", que apoia as outras garotas, que acredita nelas, mesmo que não se conheçam. A sensação de euforia ficou comigo por um bom tempo depois que cheguei ao clímax da história - que inclusive me deixou chorando de felicidade.
Ler aquele clímax me fez entender porque a sociedade precisa colocar mulheres contra outras mulheres por motivos pífios, porque sente a necessidade de menosprezar e diminuir as mulheres para que não se encontrem umas nas outras: porque quando a gente se une, podemos fazer a diferença de verdade. Com aquele fim a gente realmente sente o poder ressoante da união feminina. Ver o que elas conquistaram, o que nós podemos conquistar, é bastante poderoso.
"Diretor Wilson pega o megafone e começa a gritas instruções. Nós gritamos de volta, engolindo ele. Nossas vozes são tão altas, tão grandes. Tão demais. Tão lindas."
Eu sei que essa palavra já está batida e muita gente rola os olhos para ela ou encara de qualquer forma, mas Moxie é um livro que empodera, sim. Faz a gente lembrar do nosso próprio valor - e lembrar que ele não está no tamanho da nossa roupa, no volume da nossa voz ou em qualquer coisa do tipo. Moxie girls fight back.
E eu só fico imaginando que se esse livro conseguiu me fazer sentir assim, o que ele pode fazer por uma adolescente que se encontram em uma situação tão similar a desses livros é muito maior. Como ele pode abrir seus olhos e como ele pode ajudá-las a triunfar apesar do machismo cotidiano. Ele é como Lonely Hearts Clube com esteroides.
Moxie é um livro certamente voltado para adolescentes, porém um que eu indico para todos, não importa sua idade. É um livro fácil de ler, com personagens cativantes e uma história importante e atual, uma história incrível para despertar garotas para o quão incríveis elas são.
E agora eu só queria fazer um adendo, já que Moxie é um livro tão importante para a gente aqui no blog - importante antes mesmo da gente ler, de fato. No início do livro, na primeira Zine que a Viv monta, ela pede para as garotas que concordam com as ideias da zine, marcarem suas mãos com corações e estrelas, assim elas podem se identificar pelos corredores da escola. Foi inspirada na ideia que criamos a nossa logo e desenvolvemos esse espaço: um lugar seguro para garotas (e garotos) que compartilham das mesmas ideias.
site: http://www.queriaestarlendo.com.br/2018/11/resenha-moxie.html