Construir e habitar

Construir e habitar Richard Sennett




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chrisferreoli 28/03/2021

Viver como um em meio a muitos, mobilizado por um mundo que não nos espelha
Nessa sua recente publicação, Richard Sennet reúne reflexões acerca das posturas que o planejamento urbano pode tomar para construir a cidade do amanhã. “Construir e Habitar – ética para uma cidade aberta” difere do estilo tratadista do século XIX e XX ao partir não do idealismo utópico, mas sim do aprendizado acumulado das experiências de planejamento, análises teóricas e da vivência de Sennet com décadas de atuação profissional e acadêmica, para disso definir não uma lista de regras ou manual, mas um compêndio de valores éticos para os quais vale a pena se atentar ao pensarmos o espaço.

Para contextualizar o título, a “cidade aberta” é o conceito que Sennet engendra para o espaço (público urbano, mas também arquitetônico) que permite a existência da diversidade e ambiguidade, uma comunhão daquilo que o sociólogo expressa como as duas dimensões de um aglomerado humano: a cité, traduzida como uma espécie de esfera psicológica do espaço; e a ville, sua manifestação física, a matéria em si.

Partindo de uma refinada análise crítica da história da constituição das cidades industriais - passando pelas primeiras e ecléticas experiências (Haussmann e Cerdá na Europa, Olmstead na América); contextualizando o aprimoramento teórico-prático representado pela organização epistemológica do século XX e pelo modernismo; e discutindo planos de desenvolvimento urbano das últimas décadas (com exemplos da China, Índia, Coréia do Sul, Inglaterra, Estados Unidos, Colômbia, Líbano e até Brasil) -, Sennet vai propor uma reunião de valores compartilhados das cidades, organismos esses que são incontrolavelmente complexos e que, nessa tapeçaria de expressões culturais, reúnem a sua maior riqueza: a diversidade, que deve ser entendida e estimulada.

Apesar de ser um livro que toca ao planejamento urbano, a ética para a cidade é também exercida por grupos e indivíduos e assim, essa publicação pode atingir diferentes tipos de leitor. Não se trata de uma mera postulação acadêmica específica, mas sim uma agenda para construirmos um processo civilizatório mais ético através da intervenção na cidade. Sennet aponta para dinâmicas políticas, sociais, econômicas, históricas, culturais, filosóficas, de modo que toca de tudo um pouco, mas sem chegar a se tornar inacessível ao interlocutor leigo. E que não nos enganemos, pois, essa versatilidade do texto não deve ser encarada como superficialidade de conteúdo – o autor sabe muito bem do que fala, assim como a monumentalidade do desafio que ele se propõe a solucionar (uma ética para a cidade aberta), e por isso que, de reflexão em reflexão, ele constrói uma espécie de torre de valores cujas fundações se espalham para todos os lados. Não é à toa que para pensarmos a cidade dentro de sua complexidade, as nuances do conhecimento também são muitas.

Partes do livro são meio sonâmbulas por Sennet escrever sobre experiências pessoais de sua trajetória. Nesses casos, os relatos não ocorrem como simplificações anedóticas da abordagem teórica, mas sim como uma tentativa de humanizar discussão – como se o autor implicitamente afirmasse “isso tem sim implicações reais e não se trata apenas de conjectura apática”. Para quem está familiarizado com essa escrita do sociólogo, a leitura flui bem e os tijolinhos dessa construção intelectual se somam com clareza até o final do livro.

“Construir e Habitar” é mais uma feliz adição ao repertório teórico contemporâneo da arquitetura e urbanismo. Nesse cenário da produção de literatura sobre a natureza do espaço construído humano, arquitetônico ou urbano, Richard Sennet se junta a muitos outros autores – de Rem Koolhaas a Robert Venturi, Jane Jacobs a Hannah Arendt – na afirmação de que o fundamento do próprio pensar a cidade deve ser o reconhecimento e consequente estímulo de sua ambiguidade intrínseca, sua diversidade. A nossa recusa em aceitarmos esses fenômenos nos põe em posição de reprodução de fantasias de controle anacrônicas, condutas autodestrutivas que, oprimindo a beleza que o espaço manifesta organicamente, segregam, alienam, reificam e transformam o viver em mero existir. A cidade de Sennet, no extremo oposto, é aquela em que se institucionaliza a humanidade – e nesse livro, o autor buscou responder quais as maneiras práticas através das quais podemos realizar esse projeto.
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