Lipe 03/01/2024
A escrita desse livro se torna um imperativo à A.E. nas semanas que seguem a morte da sua mãe, como uma forma de tentar compreender quem foi aquela mulher sempre tão indignada com sua posição de dominada (a trabalhadora incansável) frente ao mundo "dominante" das ideias e das palavras (1). A ausência real e repentina da mãe é suportada pela autora com a presença ilusória que a escrita proporciona. Nesse exercício de busca e entendimento, é a filha que coloca a mãe no mundo - inclusive, é um tema em voga atualmente, como usado no cinema, em outro caso, com o brilhante “Little Girl Blue” (2023) de Mona Achache, com Marion Cotillard no papel principal. Mas voltando à "Une femme", a autora se dá conta da dificuldade em separar a “mãe” - o mito, o imaginário, o familiar, o constante, sem idade - da “mulher” - a real, a com história, a com uma classe social. Essa dualidade permanece até o final, onde existe a árdua tarefa de unir a mulher de personalidade forte e luminosa (2) com a mulher demente e com Alzheimer ("apesar da insanidade, é ainda ela?"). Ao passo que essa "mulher comum" esquece de tudo e se torna uma criança que não vai mais crescer, ela será lembrada nas páginas desse recito, em forma de uma bela homenagem, tocante ao extremo, como de praxe em A.E..
(1) S’élever, pour ele, c'était d'abord apprendre (elle disait, "Il faut meubler son esprit") et rien n'était plus beau que le savoir."
(2) "ma mère se souvenait : "J'ai tout fait pour que ma fille soit heureuse et elle ne l'a pas été davantage à cause de ça.""
(3) "Je n'entendrai plus sa voix [...] j'ai perdu le dernier lien avec le monde dont je suis issue."