Queria Estar Lendo 11/05/2018
Resenha: A mãe de todas as perguntas
A Mãe de Todas As Perguntas, livro que reúne 12 ensaios de Rebecca Solnit - publicado por aqui pela Companhia das Letras, que nos cedeu o exemplar para resenha - traz reflexões sobre as novas formas de feminismo e, para isso, começa com um ensaio sobre a maternidade de Virginia Woolf até uma reflexão sobre o filme Giant.
Depois de ler Os Homens Explicam Tudo para Mim, Rebecca Solnit já tinha me conquistado ao colocar em palavras coisas que eu só sabia sentir. Com A Mãe de Todas as Perguntas, então, ela abrange a discussão do feminismo e nos leva por novos caminhos questionadores e em mais situações esclarecedoras.
Abrindo o livro com o ensaio que dá nome a obra, a autora discute como a ideia da maternidade é tão enraizada na construção do que é feminino que vê-se a falta dela como algo prejudicial. O ensaiou inicia em uma palestra de Solnit sobre Virginia Woolf, que não foi mãe, mas deixou grandes obras para a posterioridade - mas de alguma forma, os questionamentos ao fim da palestra pareciam sempre retornar ao fato dela não ter sido mãe e como isso pode ter sido prejudicial a ela. O que não só reforça um estereótipo - "toda mulher sonha em ser mãe" e "você só conhece o amor depois de ter um filho" ou ainda "você é incompleta até ter um filho" - como tira o foco real da discussão: o trabalho de Woolf.
"O silencio foi o que permitiu que os predadores atacassem ao longo das décadas, sem impedimentos."
E é algo feito constantemente, tirar o foco do trabalho de uma mulher, por mais genial que seja, para apontar sua aparência, sua capacidade, sua feminilidade, etc.
E é assim que Rebecca dá o tom ao seu texto, tão rico em exemplos e, ainda que em tons acadêmicos, de fácil compreensão. A autora não tem a pretensão de dizer que escreve para quem pouco sabe sobre feminismo, mas o faz mesmo assim. Seus exemplos, a forma como costura os textos para que tudo faça sentido e seja compreendido de forma simples, ao meu ver, cria uma grande aproximação entre nós, que não fomos para a academia estudar feminismo, e ela, que escreve sobre o assunto há mais de vinte anos.
Novamente me vi passeando por seus ensaios e aprendendo, descobrindo tantas coisas novas e outras que agregavam a conhecimentos já adquiridos. Mas também me deparei com algumas opiniões que eu não concordo completamente, como seu otimismo ao dizer que finalmente entramos em uma era onde a voz da mulher importa, um ponto que eu não enxergo exatamente dessa forma - algo que aprendemos é que nossa voz importa quando somos um número grande o suficiente, do contrário ainda caímos na mesma rotina de descredito e depreciação, como a autora também reforça ao relembrar que apenas 3% dos estupradores julgados e condenados cumprem pena.
Também aconteceu de alguns artigos parecerem datados, já que ela resolve falar sobre a importância de ter homens apoiando o movimento. Embora eu concorde com ela - do contrário a gente tem que matar os homens do mundo tudo e tem uns aí que eu amo mesmo - senti que eles perdem um pouco a força ao citarem celebridades que foram denunciadas por abuso e assédio sexual durante a campanha do Times Up no ano passado. Um fail que a gente perdoa porque Rebecca não vê o futuro e achou que dava para confiar nos caras, né.
"O silêncio protege a violência. Sociedades inteiras podem ser silenciosas - e, como aconteceu com o genocídio armênio na Turquia, falar sobre os crimes pode se tornar perigoso ou ilegal."
Mas fora esses pequenos desencontros de opinião, foi difícil encontrar um ensaio que eu não tenha gostado muito, porque Solnit passeia por diversos âmbitos falando da força e da presença feminina nos livros, no cinema, na sociedade em geral.
Destaco aqui alguns dos ensaios que mais me marcaram, como o primeiro, Uma Breve História do Silêncio, que mesmo que não tenha nada de breve, elucida bastante sobre a histórica maneira com que as mulheres tem sua voz silenciada e como esse é todo o objetivo da violência de gênero, como isso pode até mesmo ser visto como uma forma de nos desumanizar. Até quando inclui o silêncio masculino seu foco é nas mulheres, mostrando como não há simetria nos dois casos, uma vez que as mulheres não se beneficiam do silêncio feminino - mas os homens encontram benefícios no silêncio masculino, a famosa "brotheragem".
"O silêncio e a vergonha são contagiosos; a coragem e a fala, também."
Em Feminismo: Chegam os Homens eu estava esperando por todo um discurso sobre a importância de deixarmos eles fazerem parte desse movimento ou dar algum tipo de lugar de fala a eles (e eu realmente estava com medo disso), mas em vez disso Solnit volta a falar do lugar deles como apoio, e não centro do movimento, e sobre as formas como eles podem apoiar, sempre com o foco nas mulheres.
Com Oitenta Livros que Nenhuma Mulher Deveria Ler e Homens me Explicam Lolita entramos no campo da literatura e a forma como ela constrói seu argumento e expõe o machismo intrínseco nas obras - e nos seus defensores - é uma resposta muito certeira.
E, por fim, O Caso do Agressor Desaparecido, que fala sobre como a sociedade inventa mil e um motivos para os casos de agressão (física e sexual) contra as mulheres, como o consumo de álcool, até apagando a responsabilidade (e quase a existência) do agressor, é um grande tapa na nossa cara e bem podia ser um textão meu no facebook, visto a forma maravilhosa como pôs em palavras aquelas coisas que eu sempre quis dizer e nunca soube como.
E ao longo de todo o livro, ainda, Rebecca Solnit continua insistindo na importância de dar nome as coisas e usarmos os nomes corretos, para que não venha a existir confusão. Para que estupro não seja chamado de "ato sexual indesejado", por exemplo, lembrando que "o diagnóstico é o primeiro passo para a cura" e que não podemos combater aquilo que não tem nome, pois não ter nome é não ser reconhecido, não ter sua existência levada em consideração.
"Um livro sem mulheres costuma ser considerado como um livro sobre a humanidade, mas um livro com mulheres em primeiro plano é tido como livro de mulher."
A Mãe de Todas as Perguntas é repleto de textos sagazes e completamente acessíveis - basta que você saiba ler para compreender. É um livro que, mais uma vez, mexe com a gente e nos faz refletir desde o nome que damos as coisas até feminicídios. Nos deixa perguntando "por que isso ainda está acontecendo?" e nos instiga a ir mais longe.
Se você leu Os Homens Explicam Tudo para Mim, eu indico esse livro. Se você não leu, eu também indico. Se você quer leituras feministas, eu indico esse livro. Se você acha que o feminismo não é mais necessário, INDICO AINDA MAIS ESSA LEITURA, PELAMOR DE @DELS, SAI DESSA.
Resultado final é que eu indico. Leia, dê de presente, esqueça no transporte público, indique no clube do livro, e mais do que isso, converse com as pessoas a respeito dele e dos temas levantados aqui. Por favor, por favorzinho.
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