Nayana 16/04/2023Sofri, recomendo.?História da menina perdida? é o volume 4 da tetralogia napolitana da Elena Ferrante. Terminei de ler esse livro no final do ano passado e não tive coragem até hoje de fazer a resenha desse último volume.
É complicado falar que amei a série de livros, sendo que eles me deixaram com um vazio, me deram um sentimento de ?é para isso que vivemos??: para lutar para crescer num bairro pobre, para estudar, para ver que o que você quer não é suficiente, dar voz ao errado, sofrer, se sentir pouco e se reduzir a uma lembrança na estante?
Cada personagem me mostrou um lado interessante, curioso, e me decepcionou depois disso. Até a Adele, incrivelmente inteligente na maior parte da história, faz parte de uma dupla cruel dos Airotas ao dizer que Nino e Lenu são inteligência sem tradições e por isso inconfiáveis, no fim a riqueza dita as regras como sempre. Até ela desistiu de mostrar que pode haver um casamento meramente saudável e cita que não há um homem com quem não seja difícil viver.
Como um livro consegue te mostrar isso de forma tão distintas? Como as relações não dão certo da forma que esperamos, seja amizade, paixão, casamento, família...
Alerta de spoiler e gatilho total!
Como fui ingênua lendo o livro sem me tocar que seria esse o trauma mostrado nesse livro, que dá nome a ele. Nunca na minha vida fiquei tão sem reação ao ler um livro, tão angustiada com a falta de um final para o que aconteceu (o que se mostra extremamente real, como é a tetralogia inteira ? quem some e não retorna, deixa um vazio em todos que ficaram e mil cenários de possibilidades de um fim).
Gosto de como é possível ver o fio de pensamento e o nevoeiro que envolve a relação de Lenu com Nino e Lila. Nino é o tipo de cônjuge que te deixaria tensa para sempre, com a sensação de insegurança e necessidade de vigília constante. Qualquer uma fica carente, incomodada com alguém tão sedutor a seu lado. Lenu mente para si mesma sobre a malícia, acha que se Nino flerta com todas as mulheres, nenhuma é especial o bastante para substituí-la.
Só realmente encontra a paz quando desiste do amor. Sua grande admiração sempre foi Lila, todos os livros são marcados pelo seu ponto de vista, não conhecemos Lila de verdade e ela permanece sempre com a aura de mistério com a qual Lenu sempre a viu. Para ela, cada pessoa é remodelada por Lila (e isso é refletido nos livros), inclusive a própria Lenu. Desde criança conseguimos perceber o fantasma de Lila em cada escolha, em cada sentimento dela, a inveja até de tudo que Lila poderia fazer de mais promissor ou significativo que ela (mesmo os fatos nem sempre dizendo isso ? e sabemos o quanto a vida possui altos e baixos para qualquer um).
Sofri, demorei para processar, não digeri até hoje, recomendo.
Alguns trechos que me marcaram:
?Há tempos eu já percebera que cada um organiza a memória como lhe convém, e ainda hoje me surpreendo ao fazer o mesmo.?
?Finge ser uma pessoa gentil e afetuosa, mas depois nos dá um leve tombo, nos desloca e nos estraga.?
"Os bons sentimentos são frágeis, comigo o amor não resiste. Não resiste o amor por um homem, nem mesmo o amor pelos filhos resiste, logo se esgarça. Você olha pelo furo e vê a nebulosa de boas intenções se confundir com as más."
?Para Lila, em todos esses anos, o mundo desabou sobre ela quase por acaso e escoou no vazio deixado pela filha como a chuva que cai pela calha.?
?Se a pessoa não descobre essas traições no momento certo, elas não adiantam nada: quando se está apaixonado, se perdoa tudo[...] Para que as traições ganhem um peso específico, antes é preciso que amadureça um pouco de desamor.?