Maria Fernanda 25/07/2017"A VIDA É SUA E O CORPO É SEU. VISTA-SE COMO QUISER."Esta é mais uma da série "resenhas tão difíceis de escrever que eu não sei nem por onde começar" pelo seguinte motivo: o livro em questão traz uma personagem trans, e eu sou uma leitora cis, lendo com a minha mente cis. Ou seja, o meu nível de compreensão jamais alcançará a experiência trans - da mesma maneira que a compreensão branca jamais alcançará a experiência negra, ou que homens jamais compreenderão como é ser mulher numa sociedade patriarcal. E isso me deixa em estado de alerta para não acabar falando algo que, mesmo sem intenção, faça um desserviço à comunidade LGBT, que tanto amo e apoio.
Tá vendo? Mais um motivo.
Eu gostaria que justificativas como essa não fossem necessárias. Que um livro sobre uma personagem trans fosse tão comum que apenas pudéssemos lê-lo e avaliá-lo como outro YA qualquer. Mas, infelizmente, a realidade é o que tem pra hoje, e ela me impede de resenhar Apenas uma Garota levando em conta somente o plot e a escrita da autora. Por isso, decidi expor a minha opinião (100% sincera, é claro) sempre balanceando-a com adversativas que considerem as circunstâncias especiais do livro.
Primeiramente, Apenas uma Garota é um livro importantíssimo. Contribui para preencher uma lacuna que não deveria existir, reconhecendo e normalizando a existência de pessoas trans e fazendo com que elas se encontrem na literatura que consomem. Eu fico feliz porque essa história pôde ser publicada e chegar até mim. É de iluminar a alma saber que temos um YA com uma protagonista trans, escrito por uma mulher trans (!!!) e ainda com uma modelo trans na capa. E foi justamente por isso tudo que a forma light como Meredith Russo se posicionou me deixou decepcionada.
Em momento algum eu consegui ignorar o pensamento de que a história da Amanda foi contada para passar a mão na cabeça do leitor cis, pobrezinho, que não saberia lidar com uma narrativa quebradora de tabu verdadeiramente poderosa. Pensamento este que foi confirmado pela própria autora na nota final do livro, onde ela explica que se ateve a estereótipos "para simplificar ao máximo, segundo os padrões normativos, o fato de Amanda ser trans." E isso me deixou bem triste. PORÉM, entendo perfeitamente a escolha dela. Essa temática é super normal para mim pois tenho pessoas trans no meu dia a dia e convivo com LGBTs em geral. Mas e aqueles leitores que vêm de um ambiente preconceituoso e não fazem a menor ideia do que significa ser uma Amanda? Ou, pior, que nem imaginam que existem inúmeras Amandas por aí? Por isso, posso perceber que Russo não quis colocar nenhum obstáculo para que entendêssemos Amanda como uma "simples" adolescente, para que nos sentíssemos próximos a ela.
Mesmo assim, eu queria mais do plot. Eu queria que Meredith Russo não tivesse adaptado a experiência trans para fazer com que os leitores cis a digerissem com maior facilidade - novamente, é entendível, porém lamentável. Eu queria que Amanda não fosse tão afável, e que ela tivesse uma personalidade distinta ao invés de genérica. Eu queria que o romance não tivesse sido instantâneo e irreal. Eu queria que o clímax não tivesse sido tratado com ares de despropósito e insignificância, parecendo mais uma cena do filme Meninas Malvadas. Eu queria que a única coisa marcante no livro inteiro não fosse o fato de que uma garota trans é a personagem principal.
Desculpem, de verdade, mas é o que eu acho. Não vi nada de inovador ou autêntico na narrativa, que é pobremente desenvolvida, aliás, além desse elemento único. Se tirarmos da história o que faz de Amanda quem ela é, e os flashbacks francamente tocantes, o que sobra é mais do mesmo: um YA clichezão e irrelevante.
Não obstante, concluo afirmando que Apenas uma Garota é um livro que deve ser lido. Foi o meu primeiro sobre a temática e aposto a minha estante que também será o de muita gente. Como dito em uma resenha no Goodreads, a questão abordada ocupa um lugar de tremenda importância no momento atual e esse livro provavelmente cimentará o caminho para muitos outros com personagens trans. Melhores, espero.
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