Lucas 13/11/2017
Destaco o trecho abaixo
"Os mistérios da fé não são objeto para a inteligência enquanto faculdade que permite afirmar ou negar. Não são da ordem da verdade, mas estão acima dela. A única parte da alma capaz de um contato real com eles é a faculdade de amor sobrenatural. Por conseguinte, só ela é capaz de uma adesão a eles.
O papel das outras faculdades da alma, a começar pela inteligência, é apenas o de reconhecer que aquilo com que o amor sobrenatural tem contato são realidades; que essas realidades são superiores aos objetos delas; e o de fazer silêncio uma vez que o amor sobrenatural desperta de maneira real na alma.
A virtude da caridade é o exercício da faculdade de amor sobrenatural. A virtude da fé é a subordinação de todas as faculdades da alma à faculdade de amor sobrenatural. A virtude da esperança é uma orientação da alma no sentido de uma transformação depois da qual ela será integral e exclusivamente amor.
Para subordinar-se à faculdade do amor, cada uma das outras faculdades deve encontrar nela seu bem próprio; e particularmente a inteligência, que é a mais preciosa depois do amor; assim é, efetivamente.
Quando a inteligência, depois de fazer silêncio para deixar o amor invadir toda a alma, volta a se exercer, ela sente que contém mais luz do que antes, mais aptidão para compreender os objetos, as verdades que lhe são próprias.
Mais ainda, creio que esses silêncios constituem para ela uma educação que não podem ter nenhum outro equivalente e lhe permitem compreender verdades que, de outro modo, lhe permaneceriam sempre ocultas.
Há verdades que estão a seu alcance, compreensíveis para ela, mas que ela só pode compreender depois de terem passado em silêncio através do ininteligível.
Acaso não é isso que São João da Cruz quer dizer ao denominar a fé de uma noite?
A inteligência só pode reconhecer por experiência, a posteriori, as vantagens dessa subordinação ao amor. Ela não as pressente previamente. Não tem, de início, nenhum motivo razoável para aceitar essa subordinação. Também essa subordinação é coisa sobrenatural, operada unicamente por Deus.
O primeiro silêncio, com duração de apenas um instante, que se produz através de toda a alma em favor do amor sobrenatural, é a semente lançada pelo Semeador, é a semente de mostarda quase invisível que um dia se tornará a Árvore da Cruz.
Do mesmo modo, quando se presta perfeita atenção a uma música perfeitamente bela (e vale também para a arquitetura, a pintura etc.), a inteligência não encontra nela nada a afirmar ou negar. Mas todas as faculdades da alma, inclusive a inteligência, fazem silêncio e ficam suspensas à audição. A audição se aplica a um objeto incompreensível, mas que encerra realidade e bem. E a inteligência não capta nele nenhuma verdade, mas encontra um alimento.
Creio que o mistério do belo na natureza e nas artes (apenas na arte de primeira ordem, perfeita ou quase), é um reflexo sensível do mistério da fé."
[pág. 37-39]