elske 29/12/2022
Enraizar raízes, desenraizando Raíza
Raíza é uma jovem que vive num aquário. Metaforicamente. Ela é a narradora e a personagem principal do romance. Ela narra a história de uma maneira bastante confessional e íntima, misturando passado e presente, sonho e realidade, percepções e impressões suas. Ela vive com a mãe, Patrícia; a tia Graciana; a empregada doméstica Dionísia; e também tem uma prima, Marfa.
Patrícia é uma figura central na história. Ela é uma mãe distante, poderosa, com pleno domínio de si, não cede a impulsos, e passa os dias escrevendo, muito focada no seu trabalho de romancista. A grande angústia de Raíza é saber se a mãe tem ou não um amante. Ele se chama André, um rapaz um pouco mais velho do que Raíza, e que vai ser padre. Raíza se apaixona por ele, ao mesmo tempo que fica extremamente perturbada com a proximidade que ele tem com a sua mãe — ele frequentemente visita Patrícia, conversam por horas, e ele tem uma admiração muito grande por ela. Raíza está angustiada com a dúvida: são amantes ou não? Ela faz associações com o Complexo de Édipo, pensando em André como filho de Patrícia; e ela própria como Electra, sua irmã.
Porém, André não é o único amor de Raíza. Ela também ama Fernando, um homem mais velho, extremamente aproveitador e mulherengo, que trata ela infantilmente (chamando-a de “meu carneirinho”). Raíza continua a visitá-lo sempre, a pensar nele, mesmo sabendo (quero acreditar que ela sabe) que ele é um aproveitador e um canalha. Ela também lembra de namoros passados, como Diogo (mas ela não o amou) e Fabrizio.
Essa busca desesperada por um amor, por um romance, nem que seja com um homem tão mulherengo e egoísta como Fernando, ou com o possível amante de sua mãe, André, revelam a solidão de Raíza e o seu profundo medo de estar sozinha. Hoje, ela seria chamada de "muito carente". É isso que dissera Diogo:
“Você tem medo de ficar sozinha, Zazá, você tem medo e por isso me segura embora não me ame. E com isso acaba ficando mais só ainda. Por que você tem tanto medo assim?”
Também André pensa de forma semelhante, acha que Raíza confunde amor com ciúme:
“Não, você não me ama, você cismou comigo, tudo não passa de um simples capricho, prosseguiu ele pondo-se a andar de um lado para outro como um animal enjaulado. Eu não pretendia dizer-lhe o que vou dizer, mas você fica insistindo… Pois bem, talvez seja melhor esclarecermos de uma vez por todas: o seu interesse por mim existe exclusivamente porque você desconfia de que sua mãe e eu…”
Assim, Raíza fica no seu aquário, com medo de ir para o mar e de ficar sozinha, precisando sempre se agarrar a alguém. Como, no passado, se agarrava ao pai, que faleceu, abandonando-a. Seu pai era delicado e divagante como ela, dava muito valor aos pequenos objetos, aos sonhos, e também tinha um vício — o pai bebia; Raíza fuma.
Raíza tem também um talento para a música. Ela tocava piano muito bem, e tinha o desejo de ser pianista; porém, o seu professor desistiu dela, achando que ela não progrediria nunca. Agora ela não abre mais o piano de casa, e tem medo de que, mesmo se recomeçasse a estudar, seria uma pianista medíocre. André tentou animá-la:
“Sempre o orgulho. Por que haveria de ser medíocre? Por acaso já experimentou ir mais além? Já experimentou?”
Todos somos criados em aquários. Porém, em algum momento — muito mais cedo para uns, mais tarde para outros —, temos que sair deles. Precisamos de mar. O oceano é violento e perigoso, Raíza lembra de um banhista que morreu tragado pelas ondas; mas também lembra que, naquela mesma noite, ela contemplou a beleza do mar e se esqueceu do incidente. Também a vida é como um mar assim. Terá Raíza a coragem de enfrentá-lo?
Neste livro, já podemos ver muitas características presentes em outro romance futuro de Lygia, “As Meninas”. Raíza e Marfa são como Lorena e Lia. Marfa e Lia são personagens divertidíssimas e encantadoras, sempre organizando a bagunça que suas amigas fazem, ao mesmo tempo em que são independentes, fortes e sensíveis. Patrícia lembra a mãe de Lorena, poderosa e distante, mas quase onipresente como uma deusa. Nos dois livros há o pensionato de freiras, os sonhos, a sexualidade. Porém, “Verão no Aquário” é muito mais centrado numa personagem só (Raíza) e muito menos político. Além disso, o personagem André, cristão fervoroso, catalisador de amor e ciúmes, jovem que quer ser padre, não tem duplo em As Meninas