O Náufrago

O Náufrago Thomas Bernhard




Resenhas - O Náufrago


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Arsenio Meira 25/08/2015

Condenação
Engana-se quem pensar ser esta obra-prima um breve romance incapaz de não enervar, desesperar, irritar, ao expor, com requintes de um tour de force cruel, algo de nós que julgamos repousar, imune, em águas submersas. Subestimar tal fato é sempre um terrível equívoco. O cardápio do livro? Suicídio, solidão, amizade, o tempo, a cobiça, inveja, maldade, deslealdade, bondade pouca, solidariedade zero, loucura, a existência quase sempre flagelada de quem se julga invulnerável. Depressão e por aí vai.

Sem condições quaisquer de escrever mais do que poucas linhas sobre este romance. Eis um livro dificílimo, pesado, e, absurdamente essencial. Ele traz à tona demônios, catarses, catilinárias. E, claro, um pouco de luz. Uma nesga. Assim penso e quero acreditar.

Ps - Os três primeiros parágrafos são leite condensado. O quarto parágrafo, que não tem fim, é início do ácido mais poderoso que há: a genialidade bruta de um homem que ousou dinamitar, com seus argumentos, jamais gratuitamente, a própria pátria, sua gente e ele próprio. E todos os transeuntes e leitores.
Manuella_3 25/08/2015minha estante
Bravo! Que resenha instigante, atiçou minha curiosidade, adoro a morbidez prometida. Já na lista!


Anderson 25/08/2015minha estante
Que resenha maravilhosa!


Arsenio Meira 25/08/2015minha estante
Manu e Anderson,
Obrigado, vcs são generosos e amigos. É um romance... daqueles.
Abraço grande pra vocês!


Levi 25/08/2015minha estante
Arsenio, ler suas resenhas e não colocar o livro na lista dos desejados é quase uma incoerência. rs!


@livreirofabio 25/08/2015minha estante
Esses temas do primeiro parágrafo da sua resenha, amigo, são interessantes mesmo. Baita compêndio e resenha!


Arsenio Meira 25/08/2015minha estante
Levi, camarada, o mesmo eu digo e afirmo convictamente com suas resenhas e observações. A obra do Afonso Cruz - eu devo a você... Abraços


Arsenio Meira 25/08/2015minha estante
Fábio,
vc é como um irmão!
Respondi os e-mails. Valeu,
Abraços


Jaguatirica 01/05/2020minha estante
Saudades ;-; contente ao procurar um livro e ver que ele teve resenha sua. Me sinto levada a pô-lo imediatamente na lista de desejados


Manuella_3 01/05/2020minha estante
?




Marker 10/05/2020

Talvez seja das leituras mais desafiadoras que já fiz. Gosto de acreditar que me interesso por personagens amargos e irritantes, mas nada consegue preparar para a dificuldade que é acompanhar a ladainha (até breve, menos de 150 páginas) desse personagem reclamando de sua relação com dois amigos próximos ao longo da vida, do espírito das cidades austríacas, do socialismo e do cristianismo, de uma vida erroneamente dedicada a arte, da impossibilidade da arte/da perfeição. É um conjunto absurdamente obsessivo e cansativo, posto que perfeitamente construído, de mazelas que apontam sobretudo para a vida de um certo Wertheimer, que se viu completamente paralisado desde jovem, quando ouviu um então estudante Glenn Gould executar perfeitamente as Variações Goldberg, e entendeu que suas aspirações estavam minadas. Se o perfeito existe, porque um mortal há de competir com ele?, pensa o protagonista que pensa Wertheimer. Completamente enervante, mas fascinante.
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ludwig2 04/02/2023

Der Untergeher
"Untergehen" é um verbo alemão que significa afundar, cair, ir para baixo. O título do livro, Der Untergeher, é uma palavra criada pelo autor, um substantivo derivado desse verbo, que foi traduzido para "O Náufrago". Em inglês, foi traduzido como "The Loser". Assim, o "náufrago" também é um fracassado, alguém que só vai para baixo, que só decai, um loser.

O livro consiste no monólogo de um narrador não nomeado que está indo para a antiga casa de seu amigo Wertheimer, que recentemente cometeu suicídio, à procura de escritos e anotações que ele porventura tenha deixado.

O narrador foi colega de Wertheimer na universidade (a Academia de Viena e o Mozarteum, em Salzburgo), onde estudaram piano, rumo a uma carreira de "virtuose", ou seja, uma carreira de pianista profissional de renome internacional, que viaja e toca em vários lugares. No Mozarteum, eles conheceram Glenn Gould, um verdadeiro gênio do piano, e os três juntos eram um grupo de amigos. Juntos, fizeram um curso especial com o pianista Horowitz, em Salzburgo; esse curso foi breve, com duração de alguns meses, mas lá eles aprenderam mais do que em todos os anos anteriores de estudos. E, especialmente, o narrador e Wertheimer aprenderam que Glenn era muito melhor que eles no piano. Ele era um verdadeiro gênio, um verdadeiro virtuose, e o seu enorme talento fez com que seus dois amigos acabassem desistindo de seguir a carreira de pianista.

Wertheimer é descrito como o completo oposto de Glenn. Enquanto Glenn é um artista, um gênio da música, e alguém que sabe o que quer e como alcançar seus objetivos, Wertheimer é um "náufrago", um fracassado. Ele é extremamente rico graças à sua família, mas ao mesmo tempo extremamente infeliz; tem uma facilidade, uma tendência à infelicidade. E precisava sempre se comparar a alguém, imitar alguém. Assim, ter visto Glenn Gould simplesmente tocando dois ou três compassos bastou para que Wertheimer percebesse o seu talento, e para que fosse destruído, aniquilado por ele, pois nunca conseguiria ser tão bom quanto Glenn — é impossível competir com um gênio absoluto.

Ao longo do livro, o narrador ora fala de Glenn, ora fala de Wertheimer, ora fala de si. A narrativa vai intercalando memórias, episódios do passado dos três homens, com o presente que consiste no narrador indo em busca das anotações de Wertheimer.

A história faz pensar bastante sobre sucesso, inveja, trabalho artístico, e a maneira pela qual o narrador se expressa me lembrou bastante Memórias do Subsolo, de Dostoiévsky, principalmente quando se refere ao seu "processo de definhamento".

Para concluir essa resenha, deixo um trecho do livro:

"Mas para ser sincero, eu nunca poderia ter sido um virtuose do piano, porque no fundo jamais quis ser um, e sempre tive as maiores restrições a isso, tendo sempre e somente vilipendiado o virtuosismo em meu processo de definhamento, sempre achando o pianista um sujeito ridículo, desde o começo; seduzido por meu talento absolutamente extraordinário ao piano, eu me meti a ser pianista e, de repente, depois de uma década e meia de tortura, reneguei esse mesmo talento, sem qualquer escrúpulo. Não faz parte da minha natureza sacrificar minha vida ao sentimentalismo. Desatei a rir e mandei levar meu piano para a casa do professor, divertindo-me durante dias com minhas próprias gargalhadas por causa desse transporte; essa é que é a verdade: diverti-me com a destruição num único instante de minha carreira de virtuose. E essa destruição súbita de minha carreira de virtuose provavelmente constituiu um estágio importante do meu processo de definhamento, pensei ao entrar na pousada. Nós experimentamos de tudo e nunca vamos até o fim; de repente, jogamos décadas na lata de lixo."





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Gabriel 06/12/2023

Terei que ler a trilogia sobre a arte do Bernhard. Mas talvez nem assim consiga ser capaz de fazer uma resenha. Certamente existe algo aqui fora do comum, extremamente sofisticado. O narrador obsessivo contamina o leitor obsessivo de uma forma incontornável. É um caminho sem volta - (in)felizmente.

Atualização:
A busca obsessiva pela perfeição egóica no campo da arte (e da vida) pode não permitir uma saída pacífica diante do meio que nos cerca. Não há a possibilidade de conexão quando o "fracasso" se apresenta ao sujeito narcísico. Toda uma tentativa de controle expressa uma pulsão de vida. Mas o que pode acontecer quando perde o controle o sujeito obsessivo? A perfeição vaidosa agora já o impede a uma integração fora do mundo ideal. Apesar das tentativas de reconexão, de gestos e contemporização parcial a entropia já tomou conta do espírito; a entropia é o mundo real. Apesar da consciência ainda sim é um caminho sem volta, agir não é uma opção simples. A arte que Tomas Bernhard nos apresenta não é idílica, nem glamurosa; mas cruel, implacável; ela pode aniquilar, se tornar seu próprio demônio.
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djoni moraes 31/01/2021

O Náufrago - Thomas Bernhard.
A escrita de Bernhard é excelente, um pouco difícil no começo porque se trata de um fluxo de consciência seguido em um único parágrafo de mais de cem páginas. Poucas experiências como leitor me colocaram à frente de um narrador tão detestável e mesmo assim tão interessante. Um homem que vive uma vida permeada pela amargura por não ser o melhor, carcomido pela inveja, narra seus pensamentos num tom tão ácido e sarcástico como nenhum. A técnica desenrolada nesta obra é, de alguma forma, cíclica, indo e voltando para os mesmos fatos, enfatizando o ruminar dos pensamentos relacionados aos outros dois amigos e a sua inveja por não ter conseguido se tornar um virtuose do piano.

Uma boa porta de entrada à escrita de Bernhard: quero mais.
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Erick.Jonathan 02/06/2023

O Náufrago
O Náufrago. Que experiência literária. Curto, mas denso. Narrativa singular, exagerada, repetitiva, experiência que nos faz abrir a mente para essa diferente forma de narrar, com suas fórmulas, "disse", "pensei", etc.e gostar! demarcando quase que como musicalmente, estabelecendo ritmo. Foi essa a impresão que tive, de estar diante de algo ritmado. Gostei bastante. Que livro. Conhecer essa obsessão do narrador em entender o naufrágio do náufrago, a rica e conflituosa relação entre os três músicos, e ainda, aqui e acolá, colher alguma reflexão sobre a natureza humana, achei filosófico, por vezes, pesado quanto ao tema da morte e do suicído. Vale a leitura.

O que nos incomoda, o cara distante que é muito bom, ou nosso colega que é muito melhor do que a gente? Que nos devasta e arrasa. De como somos, às vezes, por obrigação ou trato social, compelidos a expressar o que não gostaríamos de ter expressado e tolhemos nossa natureza para agradar. E muito mais. Gostei da sinceridade no narrador. Quero mais Thomas Bernhard!
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Dom Ramirez 08/02/2013

"Quem não é capaz de rir, não deve ser levado a sério"
Espetacular isso aqui! O leitor pode estar seguro de que está prestes a ler um livro raro. A partir do relato da relação entre três pianistas (sendo um deles o narrador do livro e outro ninguém menos que Glenn Gould!), Bernhard apresenta com maestria uma reflexão sobre inveja, frustração, talento, mediocridade, filosofia e suicídio, com uma profundidade e senso de humor dignos dos grandes mestres do passado.

O livro é repleto de tiradas geniais, aqueles que gostam de sublinhar não leiam sem seus lápis ou canetas. Néctar concentrado, aproveitem!

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jota 15/08/2014

Exasperação...
Tudo que é humano é pouco estranho para Thomas Bernhard. Desse modo, O Náufrago é um romance mas ao mesmo tempo se parece também com uma obra de filosofia - embora sua leitura não seja tão árdua como se poderia supor. Sintomaticamente, o narrador do livro é chamado de “filósofo” (personagem sem nome), não o “naúfrago” (o músico suicida Wertheimer) e tampouco o pianista canadense Glenn Gould (1932-1982), os três personagens principais do livro.

Quem leu o volumoso Origem (eu li recentemente e penso que o livro não é apenas um dos melhores que li em 2014 mas um dos melhores que li na vida) vai ver que vários temas presentes nos relatos autobiográficos de Bernhard estão de volta aqui e literatura e vida se confundem (ele era um grande apreciador de música) com maestria nesse livro curto (cerca de 160 páginas na edição de 2006 e 235 páginas na primeira edição brasileira, de bolso, de 1996).

A história dos três é contada num único parágrafo que, obviamente, se inicia na primeira página e só termina na última (outra característica da escrita de Bernhard) e também é marcada pela raiva (o narrador diz odiar, entre tantas coisas, Viena, Salzburgo, toda a Áustria, enfim, o inferno na terra, como o próprio autor costumava dizer), pelo niilismo e pela repetição de palavras - a estrela aqui, repetida à exaustão, é “pensei”.

Pois eu sempre pensei que Bernhard - um dos representantes daquilo que alguns críticos chamam de “escola do desespero” – tivesse se suicidado, porém depois, melhor informado, soube que ele morreu aos 58 anos de um ataque do coração. Mas lendo suas obras eu não estranharia se ele tivesse posto fim a sua vida com as próprias mãos, como alguns de seus personagens.

Li O Náufrago na edição de 1996, que tem a apresentação do escritor Bernardo Carvalho (dos ótimos Nove Noites e Mongólia), que reconhece o escritor austríaco como uma de suas influências literárias. Achei mais interessante transcrever Carvalho do que escrever uma resenha própria, que certamente seria cheia de platitudes, mais parecida com um resumo, isso sim. Vamos lá, então:

“Três talentosos estudantes de piano se encontram num curso do Mozarteum de Salzburgo durante o pós-guerra. Um deles é o canadense Glenn Gould, que será consagrado em seguida, com a sua interpretação das Variações Goldberg, de Bach, como um dos maiores gênios do piano deste século. E será justamente ao ouvirem essa interpretação pela primeira vez, em 1953, que os outros dois colegas – mas sobretudo o “náufrago” do título – terão suas vidas aniquiladas.

“Este livro, uma obra-prima da literatura contemporânea, é a narração convulsiva e exasperada do último sobrevivente dos três, que volta à Áustria, vinte e oito anos depois – após a “morte natural” do próprio Gould aos 51 anos – para o enterro de outro amigo, Wertheimer, o “náufrago”, que acaba de se enforcar na Suíça. É a rememoração obsessiva rumo ao mistério desse momento fundamental, os primeiros acordes das Variações Goldberg por Glenn Gould, em que a semente do suicídio foi plantada na “alma” do protagonista ao perceber que jamais poderia equiparar-se a tal gênio.

“Assim também, a prosa de Thomas Bernhard produz efeitos ao mesmo tempo devastadores e jubilosos, por alargar, como um trator, os limites da própria literatura. O texto de Bernhard, com seu humor exasperado, uma espécie de júbilo da devastação contra tudo e todos, não deixa pedra sobre pedra, ataca a humanidade em todas as suas hipocrisias, cinismos e mesquinharias, abrindo o caminho para uma nova percepção e possibilidade da literatura a partir das cinzas e dos destroços. A “extinção” torna-se assim um renascimento através da gargalhada. E a raiva e a misantropia passam a ser um fator positivo ao mesmo tempo contra o que há de podre e a favor de uma humanidade mais verdadeira e íntegra.” (Bernardo Carvalho).

Lido em 14 e 15/08/2014.
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Paulo1584 23/12/2021

Um bando de burguês chorão, mas humanos, "náufragos"!
Talvez não fosse momento apropriado para esta leitura, mas também é possível que nem exista, ou que já tenha passado esse momento. Acontece que é um livro duro, onde as poucas páginas iludem aqueles e aquelas que pensar poder passar incólumes. Ocorre que "O náufrago", de Thomas Bernhard, é um livro que traz ao leitor personagens aparentemente sem graça nenhuma, um bando de burguês safado que, na falta do que fazer e sem ter preocupação nenhuma, são levados pela música. No entanto, personagens como Wertheimer, que era um puto escroto com a irmã e dramático ao extremo, ressentido por não ser nem de perto o gênio que Glen Gould se mostrou, é, ao mesmo tempo, um solitário, um "náufrago", como é insistentemente lembrado pelo único sobrevivente no final desse naufrágio, por assim dizer. É uma obra que me fez refletir sobre meus próprios medos, sobre a solidão, sobre a arte (ou mesmo a não-arte, essa categoria vasta e estranha). Enfim, talvez ninguém nunca esteja pronto para olhar para dentro de si mesmo através de um outro. Quero ler mais coisas de Thomas Bernhard!
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Gustavo Guedes 14/02/2023

(In)Variações Goldberg
O exagero é tão ou mais grosseiro quanto a insuficiência. Substancialmente, esse é o problema fundamental de toda elaboração artística - e talvez mais da literatura, que teima em descrever a realidade conforme ela é, informe e defeituosa. (Que também seja ela ilusória, deixemos à conclusão de cada um). Thomas Bernhard, porém, insiste continuamente no contrário, no exagero. Ele acentua, realça e enfatiza em demasia; esquece, se lembra e repete o processo; parece não notar que a condução narrativa à qual empurra o leitor é enfadonha tal como o são seus personagens. Procedimento estilístico! - dirão alguns. Apatia - digo eu. Wertheimer é um pateta. Glenn Gould, um pateta inatingível. Que o livro seja musical, ignora-se. Uma arte não depende da outra. Tampouco Salzburgo depende que lhe descrevam “belamente”. Não há progressão no progresso, nem furor que o justifique. Naufragou o escritor, que te quer afundar junto.
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Filipe 19/09/2021

O poder das palavras é o que resume este livro para mim, tanto dentro da narração, quanto na técnica que o autor usa para verbalizar os pensamentos de um pianista ao longo de um único parágrafo de 140 páginas.

A escrita de Bernhard é de altíssima qualidade, a repetição das palavras e termos deixam o leitor muito próximo do consciente do narrador. É um tipo de leitura que acho que ainda não havia experimentado.

Um livro sobre a inveja, a angústia, o talento, e as batalhas internas. Vale muito a pena.
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Jivago 28/07/2021

As variações de Thomas Bernhard
Pode-se dizer sem medo que "O náufrago" é um livro de cinco ou seis frases que se repetem à exaustão. O livro inteiro, na verdade, é um longo desabafo em fluxo contínuo e sua estrutura é composta de um único parágrafo que tem uma extensão de 140 páginas.
É que a lógica estrutural do romance parece seguir a lógica do objeto que põe sob análise: as famosas "Variações de Goldberg", de Johan Sebastian Bach. Não se trata, porém, de simples duplicação de estruturas. Aqui, Thomas Bernhard lança mão de uma figura histórica real, o pianista Glenn Gould, virtuose da música no século XX que entrou para a história através de suas interpretações da obra de Bach e como uma típica figura misteriosa do gênio recluso. No romance, o que acompanhamos é o deslindar de um triangulo de amizades composto pelo próprio Gould, pelo "náufrago" do título, e pelo terceiro elemento, chamado por Gould de "o filósofo", a quem cabe a tarefa de narrar a relação entre os três. Desde o começo do livro deixa claro ao leitor que vai narrar sua ida ao enterro do "náufrago" que cometeu suicídio. O livro inteiro, então, passar a ser uma espécie de investigação acerca dos motivos desse suícidio, mas uma investigação com uma tese de partida: a de quê o suicídio d' "o náufrago" já estava pré-determinado desde o instante em que entrou em contato com Glenn Gould pela primeira vez.
Desde o início o narrador nos diz o mínimo que precisamos para compreender a natureza da relação entre os três amigos: Gould fascinou a todos com sua arte, sempre. Enquanto gênio da música teve efeitos diversos naqueles que entraram em contato com sua personalidade e sua presença. Um desses efeitos nos é revelado desde o início: "o náufrago", um dos amigos, não consegue achar sentido em sua própria vida após o encontro com Gould. Tentando, tal qual o virtuose da música, estar à altura do seu desempenho no piano, vive uma vida de frustrações que acabam levando ao suicídio.
É nesse processo de "deslindar", de trazer à tona, a dinâmica que se desenvolveu durante décadas na relacionamento entre amigos, que o narrador expõe (e o autor constrói), as marcas formadoras das personalidades destoantes que entram em choque. Os três amigos são todos destiladores de um niilismo que se desenvolve à sua maneira própria: Gould se entrega à música e decide se enclausurar até o fim da vida no próprio estúdio de música, "o náufrago" não consegue enxergar qualquer sentido naquilo que faz ou naquilo que é e vive uma vida de ressentimento por não ter sido diferente, por não ter sido a própria imagem que criou do amigo que tanto admirou em vida, e "o filósofo", nosso narrador, é uma mistura de personagem com traços de Dostoiévski e Camus: a ele nada interessa, as relações humanas em geral são uma grande farsa, sente pena de todos e ainda reconhece que não há nada de distinto no seu modo de ser, modo de ser e viver que só é possível pela casualidade de ter nascido em uma família abastada.
Ao tempo em que narra, através de avanços e recuos no fluxo temporal, o desenvolvimento e o ocaso do triangulo de amizade, o personagem-narrador constrói um panorama amplo de uma individualidade geral do pós-guerra: um homem adoecido, uma sociedade em decadência, apontando ainda para a gratuidade dos valores e da própria vida. Para além disso, parece haver uma pergunta de fundo que perpassa essa construção da relação entre os três: em que medida acontecimentos imprevistos podem ter impactos inimagináveis em nossas vidas? Em que medida os encontros aleatórios que percorremos durante o curso de uma vida, podem ditar nosso destino de maneiras imprevistas? Essa pergunta de fundo é sempre levantada quando o narrador reitera que a derrocada d'o náufrago se dá a partir do momento em que conhece Gould.
É um romance que merece ser lido porque nos joga numa espécie de experimentalismo com a prosa e nos oferece um modo de contar histórias que em tudo se mostra moderno: construção de personagens, uso de recursos como tempo e espaço, utilização da memória como elemento estruturante, e desenvolvimento de conflitos. Mas também pela abrangência temática e pela profundidade das questões que ganham relevo à medida em que adentramos a narrativa e descobrimos, de forma circular, através do desenvolvimento da prosa de Bernhard, as respostas oferecidas.
Raquel 29/07/2021minha estante
Amigo, você é muito culto!


Jivago 31/07/2021minha estante
ahahahahaha


Jéssica 10/08/2021minha estante
Que análise, meus amigos




Leonardo 25/02/2023

Mal escrito
Além de não ser dividido em capítulos nem em parágrafos, o discurso deste livro é uma completa desordem. Muito se fala sobre a genialidade de Glenn Gould, suas aulas com Horowitz, do suicídio de Wertheimer, de seus pianos, mas não há profundidade em nada disso direito.
Há tentativas de fazer certos devaneios filosóficos, mas isso é feito de modo extremamente vago.
Foi uma tortura ler este livro para mim.
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underlou 26/05/2021

Poucas variações
Glenn Gould toca as Variações Goldberg para dois colegas de classe, os quais têm suas vidas mudadas a partir de então. Anos depois, Wertheimer, aparentemente o mais afetado, comete suicídio após a morte do renomado pianista.

A partir disso, o narrador se atém às escolhas de Wertheimer e suas próprias a partir daquele acontecimento. No entanto, o faz de forma repetitiva, obsessiva e até cáustica ao basicamente comparar seu destino ao dos outros personagens centrais: ele afinal está vivo, eles não.

De início, o estilo de Thomas Bernhard gera estranhamento. Sobretudo pela repetição massiva do marcador textual 'pensei'; depois, compreende-se que mesmo esse recurso é elemento fundamental na escrita dele. Por fim, não há ação propriamente dita, apenas divagações do narrador a respeito de si e dos personagens centrais, o que também não se configura como ponto negativo. Ao contrário, assim o livro todo é possível de ser lido como se é: uma sequência de pensamentos.
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