Resenhas - Uma Longa Idade Média

Hiago 24/01/2014

"A confusão de Le Goff"
Isso é apenas um curto comentário a respeito da "criação do purgatório", a qual o autor coloca na Reforma Gregoriana. Não sei se ocorreu um erro na tradução, mas utilizar o termo "criação", no caso, seria um tremendo erro.
Pegando outra obra de Le Goff, "Em Busca da Idade Média", na parte em que ele comenta a mudança do calendário e a sua utilização como um agente cristianizador, ele coloca entre parênteses o seguinte: "registros de datas reservadas para a celebração de uma missa em favor de tal ou qual falecido" -- Pag 137 --. Há um problema nisso: isso é 100 anos antes da suposta "criação" do purgatório alagada em "Uma Longa Idade Média" (1170-1180).
A alegação que o purgatório ter sido inventado no Segundo Concílio de Lião é uma confusão, pois ele confunde com a "popularização" e a especificação litúrgica do Purgatório com a criação do mesmo. O Purgatório é um estado onde a alma purga seus pecados mediante a intercessão dos vivos. Tal fenômeno é presente no judaísmo (2 Mac 12,44s) e em todo o cristianismo primitivo.
Peguemos os relatos:
São Gregório Magno (540-604)
“No que concerne a certas faltas leves, deve-se crer que existe antes do juízo um fogo purificador, segundo afirma Aquele que é a Verdade, dizendo que se alguém tiver pronunciado uma blasfêmia contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado nem no presente século nem no século futuro (Mt 12,31). Desta afirmação podemos deduzir que certas faltas podem ser perdoadas no século presente, ao passo que outras, no século futuro.”
“Caso (na Eucaristia) se faça a memória em favor daqueles que faleceram…” (Cânones de Hipólito [séc. III]).
“Oferecei também a régia Eucaristia (…) oferecei-a orando pelos mortos” (Didascalía dos Apóstolos [meados do séc. III]).
“Por todos os defuntos dos quais fazemos comemoração, assim oramos: Santifica estas almas …” (Serapião de Tmuis [meados do séc. IV]).
“Oremos pelo repouso de … a fim de que Deus bom, recebendo a sua alma, lhe perdoe todas as suas faltas” (Constituições Apostólicas [séc. IV]).
“Os apóstolos instituíram a oração pelos mortos…” (S. João Crisóstomo [+407], In Philipp. III, 4).
“Este túmulo, Iperéquio preparou-o para a sua benemérita esposa Albínula. Deus alivie o teu espírito” (inscrição funerária cristã [ano 268]).
"Que o Senhor conceda a Onesíforo encontrar misericórdia da parte do Senhor naquele dia!" (2Tm 1,18)
"Durante a morte e o sepultamento de um fiel, fora beneficiado com a oração do sacerdote da Igreja ( Tertuliano de Cartago, ano 222 D.C - De anima 51; PR ibidem)
"Enfim, também rezamos pelos santos padres e bispos e defuntos e por todos em geral que entre nós viveram; crendo que este será o maior auxílio para aquelas almas, por quem se reza, enquanto jaz diante de nós a santa e tremenda vítima" (catequeses Mistagógicas -- S. Cirilo de Jerusalém)

Espero que eu tenha esclarecido algumas coisas com isso.

site: Purgatório, Igreja, Cristianismo, História, Idade Média.

brunossgodinho 21/08/2020

Para conhecer o autor
Nesse livro estão reunidos textos de entrevistas e artigos não-científicos publicados na revista L'Histoire durante mais ou menos vinte e tantos anos. Era o auge da carreira de Jacques Le Goff, um auge duradouro, com toda justiça ao grande intelectual que foi o medievalista francês.

Para o especialista, é uma leitura desanuviada, em que se pode conhecer de maneira simplista e generalizante a obra do autor descrita por ele mesmo. Sempre será melhor consultar os livros e artigos em si mesmos, disso não há dúvida. Mas, a visão panorâmica da obra permite entender um pouco as fases das pesquisas, a movimentação de um tema a outro ao longo de várias décadas de trabalho.

Para os leigos é um livro facilmente compreensível porque todas as explicações são sucintas, diretas e sem rodeios nem floreios. Tem a grande vantagem de apresentar uma Idade Média simplificada pela explicação, mas longe do senso comum porque as exposições são nuançadas pelo conhecimento especializado.

É um bom livro e que serve, de bom grado, para qualquer um que deseje ou conhecer melhor a Idade Média ou essa figura interessantíssima e influente que foi Jacques Le Goff. Para o estudante (universitário, especialmente) de História, talvez seja a melhor introdução à obra do autor, dando a conhecer suas fases e suas associações intelectuais com maior rapidez.

Rodrigo ~BoB~ 29/08/2011

O Estrutural, a Explicação pela Fé e a Miscelânea
Assim como todo livro de coletânea, tem seus problemas. Trata-se de uma junção de vários artigos e entrevistas, em sua grande maioria retirados da revista "L'Histoire", em que Jacques Le Goff trata de assuntos diversos sobre a Idade Média. As entrevistas é o ponto fraco do livro, pois de modo geral mostram apenas de forma simples problematizações e conceituações presentes em outras obras consagradas do autor; Os artigos têm em geral um caráter ensaístico. Alguns dos blocos temáticos do livro deixam a desejar, como na última parte, em que se pretende tratar do "Imaginário". A pretensão de uma história total do autor se perde por entre a multiplicidade dos exemplos, sendo muito mais uma coletânea de artigos sobre temas distintos do que um capítulo que trate sobre o "imaginário medieval". Junta-se a isto a sempre presente dimensão estrutural que Le Goff dá aos documentos religiosos, à fé, à Igreja e à religiosidade como viés de explicação dos fenômenos históricos da Idade Média, onde se perde de vista outras tantas possibilidades de expicação. De modo geral, um bom livro para leigos no estudo da história da Idade Média, que querem se aproximar de algumas das temáticas que o autor abordou em vida. Mas não se deixem enganar pelo título: neste livro não se vai encontrar uma abordagem a fundo, por exemplo, do conceito de "longa Idade Média" mentado por Le Goff; Para o especialista, deve-se procurar aprofundar-se nas outras obras clássicas do centenário medievalista do cachimbo roxo.