May 21/03/2017Um livro que seria melhor se tivesse um acompanhamento editorialAs Ilhas do Norte foi um livro com uma premissa que me deixou empolgada para ler, pois é uma história de fantasia nacional com uma protagonista feminina (que prometia quebrar esteriótipos do papel da mulher) e um mundo com magia totalmente original.
Bom, com certeza o sistema de magia é original. E pra mim, que lê muitos livros de fantasia, isso é realmente surpreendente. Quanto à personagem, não dá pra falar muito porque ela não é bem desenvolvida durante a história. A gente demora muito tempo pra entender as motivações e principalmente o segredo da Robin, e quando entende fica "era só isso"? Porque nada parece suficientemente forte pra todo o trabalho que ela tem. E como isso nunca fica bem claro, parece que a motivação inicial ficou esquecida, assim como o próprio arco narrativo da personagem. Na verdade, a motivação de ninguém é muito clara, porque em geral tudo é só dito, não mostrado. O Continente está em guerra com as Ilhas por causa da magia, mas os ricos do Continente podiam estudar magia em escolas especiais? O que fez eles mudarem de ideia? O Imperador odeia magia e ponto? O povo das Ilhas não tem limitações sobre o uso de magia e isso torna eles magos mais fracos? Só porque eles não estudaram? E o conhecimento empírico?
O que leva à outro problema: a história não tem foreshadowing. As coisas surgem sem explicação e somente quando são necessárias. Um exemplo é o tal do necromante que aparece no final do livro. Ele conseguiu enganar o rei com a promessa de ressuscitar a esposa, mas para isso teria que matar um dos principes. Só que passamos a história inteira sem saber que existia esse tipo de poder (nem mesmo no apêndice que fala sobre A Magia no Mundo isso está explicado), ele só apareceu quando foi necessário para a história. E ninguém sabia que o luto e a loucura do rei eram tão grandes a ponto de sacrificar o próprio filho. O mesmo acontece com o general Jun e o passado do Evan (afirmar "o garoto vai ser importante" não é foreshadowing. Até porque, não é o que ele faz que é importante, ele ter um meio irmão general que por alguma razão vai abandonar o trabalho e as crenças de uma vida inteira por um irmão que ele nunca viu e de alguma forma não muito bem explicada conseguiu localizar, é importante). Se não tem foreshadowing, não tem costura de arco narrativo. As coisas que acontecem ficam parecendo aleatórias. Isso não é surpreender o leitor, isso é jogar fatos e esperar que a gente engula como verdade. É criar um conflito ou um solução do nada. O bom e velho Deus Ex Machina.
Mas o que mais me atravancou a leitura (e 7 dias para ler um livro de 200 e poucas páginas é muito tempo pra mim) foi o tipo de escrita associada à falta de um editor mais rígido. Existe um mito, principalmente em literatura brasileira, que escrever bem é escrever formal. Pra mim, isso só deixa o texto duro e cansativo. Um exemplo de excelente texto (mesmo eu realmente não tendo gostado do livro dele) é do Daniel Galera. O cara tem um domínio incrível de vocabulário e narrativa, sem parecer que está no século passado. Talvez esse tenha sido o objetivo da autora, mas essa escolha não prestou serviço à história. E pra mim, a história SEMPRE é o mais importante.
E vamos falar da parte de falta de editor, que pra mim é o maior problema aqui. Editor não é só o cara chato que vai destruir o sonho de todos os autores. É a pessoa importantíssima, com experiência, que vai te dizer "isso não faz sentido" "por que seu personagem fez isso?" "Pode tirar isso dessa frase que não acrescenta nada". E aqui é meu maior exemplo da falta de um acompanhamento editorial. Esse livro tem MUITO o uso da palavra "então", "enfim", "por fim", para dar uma certa formalidade, mas que só atravanca o texto! Exemplos:
"- Fique à vontade, senhorita - foi a resposta do vulto, que assim se esquivara de maiores salvaguardas. - Em retorno, NO ENTANTO, gostaria de pedir-lhe um humilde favor: dê a Lorde Nathan os cordiais cumprimentos de Kif, e diga-lhe que, ENFIM, meus préstimos já não lhe serão necessários."
(Na mesma página)
"Robin trasmitira ao príncipe, ENFIM, a mensagem do telepata. E em seguida, interroga-lo-ia a respeito da estranha figura."
"A cena era sublime, mas as lágrimas que correram pelo rosto de Robin tinham ENTÃO um gosto amargo. A luz alcançava seu corpo, mas não seu espírito - justamente quando este, POR FIM, entregava-se ao receio."
Agora se você simplemente apagar os ENTÃO e POR FIM/ENFIM (ou até substituí-los por "finalmente"), não muda nada na história, mas deixa o texto mais fluido. Essas pausas o tempo inteiro para "entãos" e "enfins" estão ali só sendo uma interrupção do período, um engasgo. E isso é durante o livro inteiro! Eu não estava notando no começo, mas depois comecei a marcar todas as páginas em que isso acontece. E são quase todas no livro.
Ainda sobre a narrativa, mesmo o livro não sendo em primeira pessoa, é contado do ponto de vista da nossa personagem principal Robin. E na maior parte do livro essa é a regra, mas em alguns momentos existe um fluxo de consciência em que conseguimos ver o sentimento dos outros também. Esse é um erro muito comum, mas que mais uma vez, um editor puxaria a orelha pra não acontecer.
Uma coisa que me confundiu até a metade da história, quando eu finalmente descobri que existia um apêndice explicando, foi a escolha dos nomes. O mundo tem nomes de origem latina. As terras se chamam Lançaparda, Cinzaferro, Terralva, Rubraqueda, Malvaflora. Mas os nomes dos personagens tem origem anglo-saxã: Robin, Nathan, Ethan, Evan, Erin. No entanto, alguns nomes foram traduzidos: Glória, Lúcia, Ester, Elina. Segundo a autora, isso se deve porque o livro foi escrito originalmente em inglês e para não perder o significado dos nomes ela manteve os nomes próprios e traduziu os que eram "traduzíveis". Infelizmente, isso causou um ruído na própria mitologia do mundo, perdendo a unidade. Tirando as coisas que são acrescentadas de última hora para servir a história, a mitologia tem uma boa base, mas confesso que chamar o único povo não branco da história - no caso, o personagem asiático - de Oriental, foi um pouco preguiçoso.
Enfim, é um livro que tinha potencial e eu li de coração aberto, mas que tem muitos problemas básicos e que se tivesse um acompanhamento profissinal poderia ser bom.