Anthony Almeida 26/01/2021As boas coisas do velho BragaEste Braga que acabo de ler veio de um sebo, passou pelos olhos e marcações do antigo dono, com as orelhas das folhas dobradas em algumas crônicas, e depois pelos olhos e letras duma amiga que o leu, grifou, escreveu notas e depois me presenteou, junto de um feliz aniversário.
Se eu fizesse minha própria lista, como Braga faz na crônica que intitula a obra, ganhar livro de Rubem Braga certamente seria uma das boas coisas da vida, ainda mais desse jeito, cheio de mensagens e rastros de sua trajetória até chegar a mim.
As boas coisas da vida é um livro de 1988, e é o último organizado por Rubem antes de sua morte, em 1990. Aqui vemos, de fato, o velho Braga, na casa dos seus setenta anos, já cansado e nublado. Está diferente do seu vigor de homem cronista de trinta e muitos, quarenta e poucos, quando já se auto intitulava velho, mas topava muitas vivências que o inspiravam a cronicar.
E essas experiências foram fundamentais para sua obra, já que na crônica 'A mulher ideal', ele escreve que "fraca é a minha imaginação; não sei inventar nada, nem o enredo de um conto, nem o entrecho de uma peça; se tivesse imaginação escreveria novelas e não croniquetas de jornal..." e segue que a mulher ideal de seu exercício imaginativo, "saiu um pouco demasiado parecida com uma senhora desta praça".
Rubem exagera sobre sua falta de criatividade, pois muitos textos deste seu último livro são bem bons. Mas, ao não andar tanto pelas ruas e, naturalmente, não topar mais encarar uma guerra como correspondente, que influenciaram seus textos nos bons livros 'A borboleta amarela' e 'Crônicas da guerra na Itália', seu temário passa a ser menos interessante.
Suas narrativas são construídas principalmente sobre lembranças de infância e de amigos que ganham perfis, alguns póstumos. Comentários sobre livros folheados também são o corpo de alguns textos. Para não dizer que ele não é mais um caminhante, sua experiência entre a Praça da República e os trens urbanos, lotados de passageiros querendo ir para casa no fim do dia, rendem uma boa sequência de crônicas que mostram bem o estado de espírito do velho Braga. Ele acha melhor não reclamar do alvoroço, ainda que seja ranzinza com o calor. A solução contra a algazarra e a quentura é chupar uma laranja, já descascada, vendida por um sujeito com um carrinho.
Chupar laranja, aliás, deveria ser uma das boas coisas da vida de Rubem Braga, e apareceria em sua crônica-título, se sua lista fosse um pouco maior. E é chupando laranjas e recordando pés de fruta, córregos, riachos, cachoeiros e mares, enfim, as coisas da natureza, que ele nos deixa contentes, da maneira mais simples, com essa obra que não foi feita para contar prosa, mas para mostrar que a felicidade, coisa boa de viver, muitas vezes, é uma suave falta de assunto entre dois cochilos, de preferência numa rede.