Mayra 05/04/2021
O homem que vende
"Não sou Sêneca, não passo de um Suetônio que contaria dez vezes a morte de César, se ele ressuscitasse dez vezes, pois não tornaria à vida, se não para tornar ao império." Trecho do conto: Anedota Pecuniária
Enquanto existir homem e sociedade, as trocas da linguagem formarão esse indivíduo, e seus valores construirão cultura. E é sobre cultura moral o referido livro, enquanto se repetir, terá o homem palavras para mobilizar. Quem melhor que Machado pra gozar das comuns personalidades do dia a dia, do atual negacionista médio, o filantropo que se sente dotado de ideais políticos (Fulano), e quanto custa sua bondosa alma. Seguindo no custo, e a vida, quanto vale? (Anetoda pecuniária), o dinheiro é mesmo aquele ente que unifica os valores? Ou um fetiche secreto dos muitos ricos? Uma droga extremamente viciante... Bom, mas e quanto à subjetividade, o homem, dotado de cultura do seu convívio social tem a capacidade de absorver e recriar através da sua interpretação, o eu, a sua forma (O capítulo do chapéus). Estabelecemos nossas formas e elas nos fazem, assim como modificamos o mundo e nessa modificação também nos modificamos. A repetição dos dias, ao reduzir o conflito e simplificar a vida, tornando-a previsível, melhora os dias, talvez essa seja a felicidade, imaginar a não-contradição (O último capítulo). E o grande final, na verdade começo, é na verdade o conto que abre o livro e dá seu nome, mas como habitante de uma cultura contrária ao padrão, como nosso querido Machado, contar de ponta cabeça e imaginar ao contrário talvez mostre o sentido, é essa a igreja do diabo, a que abre as portas do homem.
Escolhi a citação pelo caráter repetitivo dos temas, o homem, imbricado pelos seus contratos, pelo dinheiro, pela fama, repete arduamente seus dias como se fossem únicos. Como César voltaria ao mundo para construir um império, o homem sem autorreflexão sobre as suas condições históricas e sociais, volta ao mundo para vender, a filha, os bens, a alma.