Henrique Fendrich 01/09/2015
Drummond e o vasto mundo jovem
“No verso e na prosa, eis que galopo”, escreve Drummond. E, de fato, “O poder ultrajovem” (Companhia das Letras, 2015) é uma reunião de 79 textos do autor escritos tanto em prosa como em verso em jornais da década de 1960. Publicado originalmente quando o escritor, já consagrado, havia alcançado os 70 anos de idade, o livro revela um cronista que continuava atento às novidades do mundo em que vivia. É assim que percebe, por exemplo, a ascensão do “poder ultrajovem”, em referência ao domínio que crianças exercem sobre o comportamento de seus pais. Em pequenas criações ficcionais, com estilo ágil e divertido, Drummond expõe cenas do cotidiano de um país que, apesar da ditadura, começava a mudar, irresistivelmente.
É claro que nem sempre se muda para melhor, e o cronista é o primeiro a admitir que, às vezes, o progresso é “uma espécie de sífilis, que corrói e mata”. A juventude que pensa estar inaugurando o mundo pode estar apenas o repetindo, “numa edição nem sempre isenta de erros tipográficos e mentais”. Na sua idade, reconhece o escritor, as pessoas tornam o passado um palco imenso e rutilante, amesquinhando o presente que, para os jovens, é território sem limite. É também para evocar as formas caducas, para impedir que se dissolvam de todo, como se jamais houvessem existido, que o cronista alonga os olhos, em meio à mocidade geral.
Coisa que não é fácil, sobretudo em um Rio de Janeiro convulso de especulação imobiliária, que esmaga o viver antigo. A cidade se transformava em um misto de pressa, de fumaça, de estrondo, de ira e de angústia. Já naquela época, há quase 50 anos, Drummond observava que o homem estava se tornando o seu próprio computador, com uma programação implacável que só omitia um dado: a vida. Em fina ironia, o escritor é uma voz dissonante que aponta para os rumos de um mundo que começava a ser visto essencialmente através da arte de vender.
Drummond acompanha o noticiário e, partir dele, desenvolve em crônica os mal-entendidos, as incompreensões e as insensibilidades da vida urbana – mesmo a parte em verso do livro está bastante ligada à contemporaneidade do autor. É digno de nota o quanto Drummond consegue extrair de uma frase, de uma notícia ou de uma simples observação. Um assunto recorrente em suas crônicas é a posição do homem diante da burocracia, do Estado, ou, como queiram, do “sistema” – com aparente vitória do indivíduo, em sua humanidade.
O cronista acompanha eventos do final dos anos 60, como a conquista do espaço e a da Copa de 70, entre outros eventos deste Brasil “tão grande, tão carente, tão desarrumado”. São frequentes os diálogos, assim como os monólogos e divagações, que, no fundo, são um diálogo do cronista com o leitor. Há espaço para comoventes lembranças de Cecília, Manuel e Mário, e Drummond faz neste livro a inevitável crônica que os cronistas fazem sobre a falta de assunto.
Feitas por um senhor, estas crônicas tem um frescor que rejuvenesce – até porque, como ele mesmo diz, “o poder é sempre jovem quando é alguma coisa mais do que o poder”.
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