Acad. Literária 17/09/2013
Resenha - Cavaleiros do RPG/ Quem precisa de Heróis
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Sephira é uma garota (ela não sabe quantos anos tem, mas acha que é algo em torno de 20 anos) que passou a vida inteira presa em uma cúpula mágica sendo velada pelo clã dos feiticeiros seladores. O motivo? Shepira tem um poder imenso capaz de destruir o mundo. Ela não o usava para se libertar porque desconhece sua existência e, naturalmente, os magos que a mantiveram cativa também trataram de selá-lo. Mas, apesar da privação da liberdade, sua vida não era ruim. Tinha tudo o que precisasse e desejasse, sempre da melhor procedência, e seus algozes (ou guardiões) sempre se esforçaram para mantê-la contente e satisfeita (não é o mesmo que feliz). Contudo, além de sua liberdade, outras coisas mais lhe eram negadas: cultura, conhecimento, carinho, afeição, amor. Até mesmo a razão da sua clausura lhe era incognito. Somente uma única feiticeira da aldeia via em Sephira algo mais que uma ameaça, tornando-se sua amiga e contrabandeando secretamente livros para ela. E Sephira cresceu sendo imensamente poderosa mas desprovida de sentimentos ou noção de certo e errado. E tornou-se uma mulher insensível e ingênua com poderes para destruir o mundo. Até o dia em que aquela feiticeira, contrariando todas as precauções, lhe revela a razão de seu cativeiro e a ajuda a escapar de sua prisão. Livre, a jovem Sephira tem a primeira oportunidade de conhecer o mundo, conhecer o cansaço, a fome, o frio e a dor, de correr até desfalecer, a primeira chance de se sentir viva. Mas tem também que escapar de seus captores e, considerando-se uma ameaça ao mundo, escapar de eventuais heróis que possam querer acabar com sua vida – porque é isso o que os heróis fazem: livram o mundo das ameaças. E em sua jornada de descobertas e autoconhecimento, ela encontrará um grupo de heróis (!), uma elfo renegado, uma pequena fada cintilante, um dragão e um feiticeiro maligno interessado em tomar o seu poder para si e conquistar o mundo. Cada um deles terá um importante papel na formação e no crescimento de Sephira e das escolhas dela e de cada um deles dependerá o destino do mundo.
“Quem precisa de heróis?” é intencionalmente uma história de clichês. Todos os chavões presentes em toda boa aventura e em toda campanha de RPG estão ali: do clássico grupo de aventureiros (bardo, guerreira, ninja “ladina”, mago, bárbaro) à donzela indefesa (nem tanto assim); do personagem capaz de grandes atos e sacrifícios em prol de uma causa ou de uma pessoa ao vilão maligno e poderoso querendo conquistar o mundo; dos elfos, fadas e dragões; tudo no livro segue a conhecida fórmula das grandes aventuras. Tudo absolutamente proposital para despertar a familiaridade no leitor. As inúmeras referências da cultura pop, nerd e RPGistica estão espalhadas fartamente pelas páginas. Nomes como Rio que Cai (Domingão do Faustão), Lantis (Guerreiras Mágicas de Rayearth), Rohan (O Senhor dos Anéis), Uni, Tiamat (Caverna do Dragão), Lando (Star Wars) e Axel (Guns’n’Roses) são alguns dos exemplos. Para os jogadores e apreciadores de RPG, a trama trará muitos elementos conhecidos e também muitas citações diretas. Para os leitores em geral, não saber nada sobre RPG não afetará em nada sua compreensão da história porque, como já ressaltado, os clichês estão ali para torna-la familiar a quem quer que a leia.
Além dos clichês, há outro ponto de destaque para o livro: o humor. Toda a trama é permeada por situações cômicas, os personagens se expressam com respostas bem colocadas e frequentemente engraçadas, as reações geralmente são fora dos padrões esperados e as piadas são frequentes. E há as notas de rodapé. Estas são uma das maiores sacadas deste livro. As notas de rodapés, geralmente usadas em outras publicações para explicar alguma passagem do texto principal, aqui são inseridas pela própria autora com o objetivo principal de completar ou ser a piada – embora vez ou outra também cumpra o papel de dar algumas explicações. Então se lê coisas como: “*Chegada dos heróis! - *música de Indiana Jones no fundo*” (pág. 18); ou “Não pergunte! Também não entendi” (pág. 148); ou “Djin já sabia que o feiticeiro morava em um castelo. Todo vilão super poderoso mora em um, claro” (pág. 254). É impossível segurar o riso.
Brincadeiras, clichês e piadas a parte, a trama de “Quem precisa de heróis?” é bem construída e envolvente. Vivianne Fair, carioca residente na capital federal, tece uma narrativa que prende a atenção. O leitor se verá curioso para ver que fim levará as trapalhadas do grupo de heróis aventureiros, o altruísmo e a afeição verdadeira de Djim, as reviravoltas causadas pela ambiguidade gerada pelo extremo poder e a igualmente extrema ingenuidade de Sephira e as maquinações de Angeal. Vale ressaltar que a autora utiliza-se da trama para transmitir uma mensagem: que a definição entre bom e mau é ambígua e que são as escolhas de cada um, e não nossas capacidades ou poderes, que define nosso caráter e nossa influência no mundo que nos cerca. Há também (quem poderia esperar) um fundo de fé nas palavras da autora, nítida em várias passagens da narrativa. O texto é gostoso de ler, tem linguagem simples e clara, condizente com aquilo que a autora se propõe a fazer: uma história de heróis e donzelas indefesas e um mundo que precisa ser salvo do perigo. Bem ao gosto de uma boa partida de RPG.
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