Phelipe Guilherme Maciel 27/10/2017Um dos melhores livros de teatro da literatura brasileira.Gianfrancesco Guarnieri foi um italiano mas muito conhecido pelo povo brasileiro e inclusive, naturalizado. Ele é o inesquecível vô Orlando, da série infanto-juvenil "No Mundo da Lua", da Rede TV Cultura, e foi personagem em mais de 40 telenovelas, além de filmes e peças de teatro. O que muita gente desconhece, é que ele foi escritor dramaturgo, e escreveu entre outras, uma das peças de teatro mais bonitas da literatura brasileira: "Eles Não Usam Black-Tie".
Esta peça já começa de forma bastante ácida pelo título, que faz referência ao cinema e ao teatro de ricos, onde todos vão vestidos de Black-Tie e os diálogos são muito pomposos. Esta peça não. Feita para os mais simples, inclusive cobrado na minha juventude quando eu tinha 14 para 15 anos, e eu li e aproveitei, ela tem seus melhores bônus na ideia central. Os dilemas de um jovem que descobre que será pai e faz parte de uma família extremamente pobre mas de um pai sindicalista, aguerrido e sonhador.
Sim, o livro é um folhetim político de esquerda, defende greves e trata os donos de empresas como capitalistas chupadores de sangue, mas isso é uma excelente roupagem utilizada pelo Gianfrancesco, que já foi secretário de cultura de SP durante governo de Mario Covas.
Vemos um primeiro ato muito festivo, com a família em extase pela novidade trazida por Maria tomar um peso difícil de aguentar no segundo ato, finalizado por uma névoa muito densa e um terceiro ato que é um soco no estômago, e nos deixa melancólicos.
Vemos também personagens extremamente fortes e bem construídos. Romana é uma mulher poderosa, forte, grossa mas amorosa, brilhantemente representada pela rainha da dramaturgia brasileira Fernanda Montenegro na versão de cinema do livro nos anos 80. Otávio, um pai sonhador e sindicalista, puro de coração, é a balança que deixa a família equilibrada. Tião é o personagem central do livro, mas não dá para esquecer o grande Bráulio, muito menos a Rosa, a Terezinha, tantos outros personagens secundários mas marcantes.
A leitura de Eles Não Usam Black-Tie pode ser feita em apenas um dia. Os diálogos são todos errados, propositalmente obviamente, pois retrata pessoas humildes vivendo nos morros cariocas com muito pouco, tantas vezes passando fome de comida, mas nunca de sonhos.
Cada um tem seu próprio sonho. A mãe quer uma família calma e protegida em seus braços, o pai quer a revolução socialista, o filho quer viver na "cidade" (Hoje os cariocas chamam de "asfalto"). Rosa sonha com um casamento melhor que o de seus pais, Braulio sonha com o poder na mão do povo e na igualdade. Cada qual tem seus sonhos, todos justos e honestos, mas as escolhas que cada um faz para chegar aos seus objetivos é o que faz a trama ser tão forte.
Este ano resolvi colocar entre minhas metas ler mais teatro. Li Nelson Rodrigues e Ariano Suassuna, ambos gênios, mas este livro foi o mais bonito, pois foi o mais humano e brutal entre todos.