Ricardo Rocha 09/01/2017
dez de dez leitores tendem a responder que entre um filme e um livro preferem o livro.
alguns nem gostam da experiência cinematográfica. outros gostam mas acham uma arte menor - no que estão de certo modo certos. mas se a gente considera algumas coisas periféricas da questão, pode ser que vejamos melhor sob um novo prisma. dez entre dez leitores que se prezam não conseguem ler, por exemplo, tons de cinza, sequer para terem uma opinião a respeito. a opinião termina por ser isso mesmo: é um livro em que é impossível fazer uma leitura decente, que não dá pra ir além da página cinco. é muito ruim. que nem o filme. mas o filme dá pra assistir. porque tem a beleza das cores e da música (e só, mas vamos combinar que é muito). as pontes de madison. é muito ruim. e de onde surgir a beleza inefável do filme? da possibilidade de uma leitura pessoal de ujm diretor que se dá ao luxo de materializar essa leitura, numa obra prima, com atuações esplêndidas e a a tal química entre cliont e meril, que o livro, por óbvio, não tem - não se liberta jamais de sua escrita tacanha. aí a gente encontra a casa da rússia no caminho. a gente não gosta do tema espionagem. não gosta de autores que se especializam, vale dizer: se limitam. e ao contrário gosta das ousadias, por exemplo, de patricia highsmith que saiu do sol e entrou em carol, de simenon, que ficou com maigret fazendo bico e escreveu de verdade em seus pequenos romances assim chamados "duros", como a neve estava suja e o quarto azul (e o mais bacana, sem deixarem de ser eles mesmos na escrita, em suas boas escritas). a gente fica confuso com certo tipo de trama em que não consegue entender (ou demora para) o que é o que e quem é quem. e por aí. pois essa pessoa, ainda assim, amará a casa da rússia, porque essa pessoa viu o filme e o filme, dentre outras coisas, tinha o mais perfeito par romântico do cinema, sean e michelle no auge, e porque os dois protagonizam a mais bela declaração de amor da história do cinema, que no livro, se bobear, passará meio batida, mas não quando envolvem esses dois com esse texto, num filme que conseguiu nos prender apesar de tudo jogar contra (contra esse tal leitor). e de repente, ao ler a passagem, o céu se abre... e as duas cenas estarão ali, a do filme e a do livro, a mesma, duas, juntas, para sempre em nossos corações. no filme, só vendo... no livro:
"Conversa com ela e faz com que use a palavra "conveniente" com o um sinal de segurança. Em troca, inclui a palavra "francamente" na sua descontraída contribuição para aquelas conversas informais. Não discutem nada de pesado; não falam de amor, nem de morte, nem de grandes poetas alemães. Apenas: Que tal vai isso? Diga-me francamente, Katya, a feira não a tem esgotado? Que tal vão os gémeos? E o Matvey? Continua a se deleitar com o cachimbo? O que, traduzido, significa "amo você, amo você, amo você com toda a força do meu coração". (John Le Carré - A Casa da Rússia)