spoiler visualizarAle Campos 03/11/2011
"A arte de sujar os sapatos"
Fama e Anonimato, Gay Talese, 2004, Companhia das Letras.
A obra Fama e Anonimato, de Gay Talese, reúne vários relatos que Talese escreveu, separados em três partes. Quando trabalhava para a revista Esquire, em 1965, foi convidado a escrever um perfil do cantor Frank Sinatra. Com isso, Talese se destacou, principalmente, por ter feito um perfil impecável sem ao menos entrevistá-lo (por Frank estar com um resfriado que o deixa indisposto e de mau humor), com provavelmente mais informações do que se ele tivesse conseguido conversar com Sinatra. Somente observando os lugares que o cantor freqüentava, coletando informações de amigos próximos, assistindo a uma gravação de um documentário, Talese impressionou a muitos com o texto “Frank Sinatra está resfriado”. É algo de se admirar poder ler perfis descritos tão completamente, que mostram não só a vida do famoso, como também, das pessoas que vivem a sua volta e dos acontecimentos que o rodeiam. Isso tornou seu artigo diferente dos outros vários que também eram um perfil de Frank, mas nenhum conseguiu descrever um perfilado, tão corretamente, sem o ter entrevistado. Nesta terceira parte do livro é possível viver a vida dos famosos ou destacados (como um lutador de boxe, um diretor de cinema, um jogador de beisebol, a redação da revista Vogue), e descobrir seus dramas diários, seus problemas e suas rotinas cansativas, com uma riqueza de detalhes impressionante que só Talese consegue passar.
Na primeira parte do livro, Talese descreve detalhadamente tanto as características momentâneas encontradas nos lugares quanto as características físicas e emocionais dos habitantes. Mergulha profundamente na vida pessoal de cada profissional que, aos nossos olhos, são meros anônimos. Gay Talese tem o poder de transformar vidas anônimas em casos interessantes e excepcionais, e ainda consegue personificar a cidade de Nova York de um modo curioso. Não seria intrigante descobrir o número de vezes que os nova-iorquinos piscam, em média, por minuto, ou que menos pessoas cometem suicídio na cidade em dias chuvosos, entre outras coisas, se não fosse pelo modo como Talese descreve. Descreve não, relata literariamente por meio do, nomeado posteriormente, New Journalism, ou jornalismo literário, Gay Talese consegue dar vida às palavras e faz com que você sinta o que ele sentiu no momento em que escreveu.
Os muito citados boomers são personagens fundamentais para a existência das pontes de Nova York; é raro pensarmos na vida dos trabalhadores que estão por trás delas, nos acidentes que podem mudar muitos rumos e muito menos nas famílias envolvidas. Um dos fatos mais emocionantes da segunda parte do livro é o relato de um trabalhador da ponte que acaba caindo no mar, por não conseguir se segurar, e pela altura, acaba morrendo. O fato é que, não só essa tragédia é marcante, como também, interferiu na vida de outro trabalhador, o qual ficou traumatizado por ter presenciado a cena no momento da morte, e não ter conseguido salvá-lo a tempo.
Com uma sensibilidade que a muitos falta hoje em dia, Talese é considerado um dos ícones do jornalismo literário. Sua originalidade é tanta, que faz com que comecemos a ver o cotidiano de outra forma. Os detalhes nunca foram explorados tão profundamente como por ele; na primeira parte, chegou a relatar a ascensão social entre os gatos de Manhattam, (sem contar a forma como transforma uma ponte de Nova York em uma rede de ligações das vidas de alguns habitantes, principalmente os quais a construíram, na segunda parte da coletânea). Certamente um livro fundamental para um jornalista, Fama e Anonimato reforça a ideia, indispensável a um jornalista, da arte de sujar os sapatos, (conceito definido por Humberto Werneck em seu posfácio no livro). “Se as fontes são iguais, por que também os frutos não o seriam?”
A questão da internet como ferramenta de busca aos repórteres, discutida no fim do livro, nos faz refletir sobre a maneira como as notícias são apuradas atualmente. Realmente, após ler o livro percebi que ele seria indispensável para a minha formação e meu futuro profissional, e que está faltando pelo menos um pouco de Gay Talese na vida dos jornalistas, atualmente.