Fama e anonimato

Fama e anonimato Gay Talese




Resenhas - Fama & Anonimato


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Alê | @alexandrejjr 05/12/2021

A perdida arte de encontrar detalhes

É incrível o quanto o jornalismo ainda exerce um peso importante na sociedade. Diferentemente do que pensavam (e ainda pensam) os anunciadores do apocalipse - de que não é preciso jornalistas no mundo -, ou ainda os adoradores do instante - em que qualquer um é jornalista, basta um bom celular -, fazer uma boa reportagem exige tempo e dedicação. Quando bem realizada, tem efeitos imediatos, geralmente devastadores sobre quem detém o poder. Mas, apesar de lutar para resistir diariamente, esse tipo de jornalismo, aguerrido e de combate, é ínfimo em todo o mundo. E pior: não é financiado, em sua maioria, pelos grandes conglomerados de mídia. Uma pena.

Uma pena também é o fato de que gente do porte de Gay Talese, um dos pais do novo jornalismo estadunidense, movimento que utilizou artifícios de linguagem da ficção e os incorporou à não ficção, não tenha mais espaço (e tempo!!) na imprensa mundial. Talese nunca foi um jornalista que se detém ao factual. Sua matéria-prima é atemporal, duradoura: é a linguagem. E não importa qual personagem será revelada através do texto dele: podem ser os anônimos de uma cidade como Nova York ou um Frank Sinatra resfriado. Talese é um caçador de detalhes.

Dividido em três partes, “Fama e anonimato” é um compilado da melhor produção de um dos grandes jornalistas do século XX. A primeira, intitulada “Nova York: a jornada de um serendipitoso”, conta sobre as mais inimagináveis informações possíveis que fazem parte de uma metrópole do mundo como Nova York. Apesar dos textos datarem da década de 1950, ainda é possível apreciar a habilidade do autor em querer mostrar o invisível cotidiano.

Em sua segunda parte, “A ponte”, temos alguns dos textos menos agradáveis do livro. Mesmo perdendo força narrativa, uma seção em particular me chamou atenção: “Os índios”. Ela acompanha os indígenas canadenses caughnawagas que trabalharam na construção da ponte Verrazano-Narrows em Nova York, um dos mais notáveis trabalhos de engenharia de todos os tempos. A história de Talese sobre eles é um deleite para os bons apreciadores de textos inusitados.

Mas a cereja do bolo, como diria o velho clichê, está realmente na arte de perfilar vidas. É na parte final, intitulada “Excursão ao interior”, que podemos conhecer o mítico texto sobre um inacessível e resfriado Frank Sinatra, uma viagem à personalidade do lendário ator Peter O’Toole, visualizar em detalhes o funcionamento da redação da revista Vogue na década de 1960, a germinação da revista mais importante de literatura do mundo, a Paris Review, ou conhecer as obsessões de um caricato obituarista do jornal New York Times. É enchendo a realidade com o que há de mais real que Talese oferece aos leitores a sua maestria.

Por ser um livro com um tipo específico de texto, isto é, reportagens com máscaras de ficção, com algumas de suas peças com certeza datadas, “Fama e anonimato” talvez não seja o mais acessível dos livros que integram a preciosa coleção de Jornalismo Literário da Companhia das Letras. No entanto, meus caros, é uma leitura válida. Essencial para estudantes de jornalismo, jornalistas e simpatizantes da profissão, este livro não é mais a joia do bom jornalismo que Humberto Werneck afirma em seu posfácio, mas é, definitivamente, uma defesa gloriosa de uma era em que ser jornalista não era apenas recortar a realidade através de informações e fontes e colocá-la o mais rápido possível na internet em busca de curtidas e reações. Também é, isso sim, um dos mais notáveis exemplos da arte de contar histórias.
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Luisa 12/07/2010

Para um(a) estudante de Jornalismo, ler Gay Talese é saber que teu texto nunca vai ser bom de verdade. E isso não é pessimismo.

"Fama e anonimato" assusta por causa do tamanho, mas é um livro que conquista o leitor ainda na primeira parte quando fala de fatos inusitados e aleatórios de Nova Iorque. Se não pela reportagem de Talese, como saberíamos que os nova iorquinos piscam em média 28 vezes por minuto e sobre os trabalhadores marginalizados dessa cidade? Esses primeiros capítulos são muito agradáveis de ler.

A segunda parte, sobre a construção da ponte que liga o Brooklyn a Staten Island, desanima um pouco porque eu pelo menos pensei que não me interessaria sobre a vida dos construtores, mas claro que estava enganada. Talese te faz ficar viciada nas histórias dos boomers e tu até estranha quando a ponte fica pronta e os capítulos sobre ela acabam.

Enfim, a última parte do livro é cheia de perfis independentes, com destaque para o famoso perfil de Frank Sinatra, feito pelo jornalista sem entrevistas com o cantor americano.

"Sinatra está doente. Ele é vítima de uma indisposição tão comum que a maioria das pessoas tenderia a considerar trivial. Mas quando se trata de Sinatra, ela pode mergulhá-lho num estado de angústia, depressão profunda, dor, e até raiva. Frank Sinatra está resfriado.
Sinatra resfriado é Picasso sem pintura, Ferrari sem combustível - só que pior. Porque um resfriado comum despoja Sinatra de uma jóia que não dá pra por no seguro, a voz dele, mina as bases de sua confiança e afeta não apenas seu estado psicológico, mas parece provocar também uma espécie de contaminação psicossomática que alcança dezenas de pessoas que trabalham para ele, bebem com ele, pessoas cujo bem-estar e cuja estabilidade dependem dele.
Um Sinatra resfriado pode, em pequena escala, emitir vibrações que interferem na indústria de entretenimento e mais além, da mesma forma que a súbita doença de um presidente dos Estados Unidos pode abalar a economia do país [...]."

Esse trecho é genial. Destaque também para os capítulos sobre o DeMaggio (que aparece no livro O Velho e o Mar de Hemingway) e as diversas referências a Hemingway nessa última parte.
Ah, o último perfil, sobre um anônimo que escreve obtuários para o NY Times, nos deixa com vontade de ler tanto O Reino e o Poder (sobre a trajetória desse jornal) como O Livro das Vidas (com obituários do Times).
Marcos.Souza 13/06/2019minha estante
Olá Luisa
Primeiramente parabéns pelo excelente comentário que você publicou e concordo totalmente om você.
Estou precisando de um favor e gostaria de verificar se você poderia me ajudar. Você tem a versão em PDF ? Se sim estou precisando saber em qual pagina se encontra a seguinte frase no livro : "Abandonando as definições, tanto por não serem exatas quanto pela falta de mais exemplos adequados à nossa realidade, as histórias não envelhecem e podem ser lidas por pessoas de qualquer área.?. Desde já agradeço por sua atenção


Alê | @alexandrejjr 26/07/2021minha estante
"O livro das vidas" é muito bom! Um pouco repetitivo, mas muito interessante.




Pericles 11/04/2024

A escrita jornalística em uma de suas manifestações mais impressionantes
Eu tinha o desejo de ler "Fama & Anonimato" desde que comecei a graduação em Jornalismo, há quase 10 anos. Demorei um bom tempo para achar um exemplar com preço acessível em sebos, depois ele ficou alguns anos parado na estante. Finalmente li e foi uma das poucas obras que conseguiu superar as expectativas já altíssimas que cultivei ao longo de todo esse tempo.

Um dos maiores representantes do estilo de escrita jornalística que se convencionou chamar de New Journalism ou Jornalismo Literário, Gay Talese notabiliza-se pela escrita de perfis, em que consegue abordar com bom humor e acidez as diferentes facetas das personagens de seus textos.

Fama & Anonimato é uma compilação de diferentes textos escritos pelo autor na década de 1960, e pode ser entendido como uma espécie de perfil deste momento histórico dos Estados Unidos, em que o país se consolidou como a principal potência política e cultural (pelo menos no Ocidente), com a cidade de Nova York representando uma espécie de ápice de "sonho americano".

Talese aborda a história de grandes nomes dos EUA daquele momento e de outrora, como grandes esportistas, escritores, mafiosos, conseguindo trazer um relato conciso de suas vidas e apresentar lados não muito vistos (ou desejados), como as dúvidas, os medos, as manias. Apresentando o comum e o incomum de pessoas extraordinárias. Um destaque óbvio vai para "Frank Sinatra está resfriado", talvez o melhor perfil jornalístico já escrito, em que Talese não se retrai ao ter as tentativas de entrevista com o lendário cantor negadas; pelo contrário, investe em um minucioso trabalho de investigação com as pessoas que convivem com Sinatra, segue "The Voice" por Las Vegas e constrói um texto que merece ser lido por todos, jornalistas ou não.

Contudo, talvez o que mais chame a atenção sejam os textos dedicados às pessoas comuns, como as faxineiras, motoristas de ônibus, porteiros, moradores de rua e demais personagens "anônimos" que compunham o cenário da Nova York dos anos 1960. Fugindo da armadilha de cair numa abordagem paternalista, os textos de Talese descrevem essas figuras de forma atraente e imbricada com a própria cidade.

A parte dedica à construção da ponte Verrazzano-Narrows, que liga dois distritos de Nova York, é tanto um perfil da ponte quando dos trabalhadores que a construíram ao longo de cinco anos. Muitos desses operários eram de povos nativos, e quase todos rodavam o país atrás de trabalho em pontes ou arranha-céus. Talese não se furtou de acompanha-los intensamente, seja nos andaimes e nos cabos da construção, seja nas viagens de folga para visitar suas famílias.

Os paratextos, que incluem revisitações de Talese aos textos mais importantes do livro e um posfácio do jornalista brasileiro Humberto Werneck, são uma defesa de um jornalismo "à moda antiga", com o repórter "sujando a sola do sapato" nas ruas e evitando a "comodidade" dos gravadores e telefones, que permitem que muito do trabalho seja feito sem que o jornalista saia da redação (ou de casa). Por mais que as críticas sejam pertinentes, é preciso levar em conta também a crescente precarização do trabalho dos jornalistas e a falta de recursos financeiros dos veículos (que já foram apontadas pelo próprio Talese na década de 1990). Contudo, é difícil não lamentar a perda de espaço na imprensa contemporânea dos textos jornalísticos apurados ao longo de meses, que levavam outros meses para serem escritos e reescritos, e que usavam o melhor da escrita literária para tornar o texto instigante, brindando o leitor com o melhor de dois mundos. Idealizado ou não, o jornalismo presente em "Fama & Anonimato" não perde sua força nem seu encantamento passados 60 anos.

Lexylexylexy 20/04/2024minha estante
Uau! Resenha incrível, só aumentou mais a vontade em ler Crime e Anonimato. Tá na lista!!


Pericles 22/04/2024minha estante
Muito obrigado, Alexya! Espero que você goste da leitura :)




Seane Melo 19/01/2012

Escrevendo em um cantinho: Fama e Anonimato
Diz-se que a reportagem foi o estilo criado para separar o Jornalismo da Literatura. Até que vieram uns jornalistas norte-americanos com talento e tédio de sobra para voltar a embaralhar o cenário. O que não se fala desses jornalistas, pais e seguidores do new journalism, é que eram modestos. Não eram. Tinham confiança demais em sua escrita e habilidades para descobrir coisas e arrancar declarações.

Quando ganhei Fama & Anonimato já sabia da épica reportagem de Gay Talese sobre Frank Sinatra e aspirava encontrar um pouco disso no livro. Comecei com as estatísticas sobre os anônimos de New York. Todas de um senso de humor e delicadeza de deixar qualquer jornalista de queixo caído. Sempre me perguntava: como foi que ele conseguiu saber isso?

Em muitas partes do livro, comecei a me indagar se Talese, a exemplo de Capote, também tinha fama de mentiroso. Em alguns perfis do livro, você realmente se surpreende com o detalhismo na descrição de algumas cenas, cenas íntimas na maior parte das vezes. Nessas horas, dava uma pausa na leitura e imaginava um Talese quietinho no canto de alguma sala só esperando a notícia acontecer.

Mas o trunfo dele não era só estar no lugar certo e ser insistente (como ele foi para conseguir fazer a matéria sobre Sinatra). Talese conseguia enxergar a notícia em um espirro e uma cara fechada e transformava tudo em grande acontecimento! Apesar de um ótimo trabalho descrevendo a construção da ponte Verrazano-Narrows, o momento em que mais me deixei emocionar por Talese foram nos perfis de lutadores, esportistas e até, minha preferida, a de um obituarista.

Apesar das condições especiais que o jornalista devia receber (em uma matéria ele fala sobre a troca de uma passagem da classe turística para a classe A com o objetivo de acompanhar o entrevistado), a escrita e sensibilidade do jornalista servem de exemplo para qualquer estudante ou profissional que queira, sim, contar histórias.
Marcos.Souza 13/06/2019minha estante
Olá Secomedia
Estou precisando de um favor e gostaria de verificar se você poderia me ajudar. Você tem a versão em PDF ? Se sim estou precisando saber em qual pagina se encontra a seguinte frase no livro : "Abandonando as definições, tanto por não serem exatas quanto pela falta de mais exemplos adequados à nossa realidade, as histórias não envelhecem e podem ser lidas por pessoas de qualquer área.?. Desde já agradeço por sua atenção




Arsenio Meira 26/08/2012

Uma aula de Talese. A partícula que advém de suas impressões/reportagens transformam anônimos em quase herois.
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Azevedo 19/04/2017

Fama & Talese
O jornalista e autor Gay Talese deve ser lido. Por jornalistas e por qualquer outro leitor. Seus textos são feitos a partir de ponto de vista diferente do lugar comum. Neste livro -- ele têm outros, mas este é o melhor, (para mim!), o perfil do Frank Sinatra é um clássico. Conta a história sem falar com o principal personagem através dos seus auxiliares (peruqueiro, segurança, agente etc). Recomendo.
Marcos.Souza 13/06/2019minha estante
Olá Azevedo
Estou precisando de um favor e gostaria de verificar se você poderia me ajudar. Você tem a versão em PDF ? Se sim estou precisando saber em qual pagina se encontra a seguinte frase no livro : "Abandonando as definições, tanto por não serem exatas quanto pela falta de mais exemplos adequados à nossa realidade, as histórias não envelhecem e podem ser lidas por pessoas de qualquer área.?. Desde já agradeço por sua atenção




Ka 28/08/2020

Gay Talese: o grande mestre
Sim, é um livro extenso. Mas é igualmente surpreendente.
O autor busca explicar a NY dos anos 60 por uma perspectiva diferente. Foge do óbvio, da rotina, de tudo que já era conhecido.
A primeira parte descreve NY partindo de diferentes grupos nem sempre reconhecidos. Fiquei surpresa com tantas descrições e curiosidades que Talese nos mostra. É, como SP, uma cidade que nunca dorme.
Na segunda parte o autor suja os sapatos e convive com os operários que trabalharam na obra de uma ponte. Aqui ele conversa com todos, busca tudo que não é exposto. É talvez a parte mais reveladora e de excelente maestria.
Os perfis tão conhecidos do livro estão em sua terceira e última parte. Gay Talese conta tudo o que pode sobre os escolhidos. O interessante é descobrir que para o perfil do cantor Frank Sinatra não foi realizada uma entrevista com este. É incrível perceber a interação do jornalista com suas fontes.
Li para a faculdade mas confesso que gostei muito. O livro todo é uma aula de jornalismo literário.
Aos que gostam de ler boas histórias, recomendo muito.
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Ditorory 15/08/2023

Minha primeira experiência com jornalismo literário
Particularmente achei muito difícil me conectar com a primeira parte do livro, as informações eram legais, mas não chamaram minha atenção e a escrita é maçante por algumas passagens da obra. No entanto, comecei a me interessar pelas histórias a partir do capítulos sobre a ponte, e em vários momentos me peguei ansiosa pelos desfechos.
O livro trouxe algumas personalidades um tanto quanto anacrônicas, mas sob uma perspectiva tão cativante que tornam o jornalismo literário de Gay Talese uma experiência ímpar.
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Bete.Nogueira 19/02/2024

Aprendendo com o New Journalism
Adoraria ser uma jornalista da época do New Journalism, semanas de apuração e o surgimento de obras-primas, como a não-entrevisra que resultou na matéria "Frank Sinatra está resfriado", ou o perfil de um redator de obituários, o "Sr. Má Notícia". Gay Talese sabe escrever bem, óbvio, mas de nada adiantaria se não tivesse um bom faro e se não fosse bom observador. São 500 páginas de deleite.
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gumiller 11/01/2009

Clássico
O clássico do pai do new journalism, ou jornalismo literário, não é indicado apenas para estudantes e profissionais da comunicação. Mas para quem se amarra em boas histórias. A Talese sabe contar um bom causo como ninguém.
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Gustavo 13/11/2011

Saber ou sabor?
A coletânea de trabalhos de Gay Talese reúne casos de um jornalista que não se contenta com a falta de aprofundamento nas publicações imediatas. Encontrando respaldo para seus ideais e anseios na revista Esquire, passa a registrar uma Nova York – hora pela fama, hora pelo anonimato – pouco analisada até os idos dos anos 60. Coleta dados tão precisos e novos que só poderiam ser captados com uma rotina extensa de observação e pesquisa intimamente dedicada.

Destaca, ao longo da primeira parte do livro, nomeada como Nova York: A Jornada de um Serendipitoso, personagens anônimos que compõem e configuram a cidade constantemente. Como é o caso de Biz Mackey que, nitidamente parisiense, foi um ex-lutador frustrado que se tornou massageador de senhoras ricas e saiu da Europa com o prenúncio da Segunda Guerra Mundial. Apesar dos braços fortes e dedos grossos, como descrito no livro, era o toque milagrosamente suave dessa composição que fazia com que a maioria de suas clientes só despertasse diariamente depois de uma sessão.

Esta é a parte em que o autor começa descrevendo o que lhe chama atenção e por isso a considera como sendo uma visão sua mais próxima do juvenil da cidade. Para ele, seria como uma mistura de admiração e espanto, uma vez que a cidade pode ser interpretada por vários ângulos, dependendo única e exclusivamente do ponto de vista de quem a observa. Talese levanta fatos que acontecem cotidiana e precisamente. A partir daí consegue estruturar dados estatísticos sobre o que acontece na cidade como, por exemplo, a quantidade de dinheiro que as faxineiras do Empire State encontravam por ano nas três mil salas do edifício (cerca de cinco mil dólares!).

Talese reconhece os nichos de habitantes de Nova York e passa a fazer associações inevitáveis entre eles, apresentando as interligações e pontos de convergência entre os mais diversos personagens. A cada tipo anônimo que é apresentado, desenrola outro sequencial e naturalmente como se o mosaico que compunha a cidade na época seguisse uma espécie de efeito dominó. Por exemplo, os cinemas que formavam filas às oito horas da manhã. Filas de “marginalizados” que buscavam a penumbra acolhedora e os assentos confortáveis ou as peculiaridades que cada sala tinha a oferecer.

A segunda parte do livro, A Ponte, é o resultado do acompanhamento da obra da ponte Verrazano-Narrows, que ligaria o Brooklyn, bairro nova-iorquino, a Staten Island. Em uma escrita leve, Gay Talese detalha os dias que precederam a mega-construção, alguns casos impactantes e a rotina dos trabalhadores, “todos eles empenhados em construir algo grande e permanente”. Consegue se aprofundar entre as toneladas de aço, parafusos e ferro quando chega a descrever o perfil das pessoas que se mudaram para que a construção acontecesse ou até mesmo dos trabalhadores que ajudaram a erguer a ponte. Mais conhecidos por boomers, achavam irresistíveis as cidades que viviam um boom de construção e chegavam a passar temporadas longe da família para realização das obras.

Talese ainda se vê em situações difíceis como ter que relatar a morte de um funcionário, por exemplo, ou a revolta e relutância das famílias que tiveram os terrenos de suas casas desapropriados e, sem saída, foram obrigados que abandoná-las.
Na terceira parte, Excursão ao Interior, é possível notar que o autor relata a fama de pessoas importantes e que embalavam a imagem da cidade na época. O perfil de Frank Sinatra (Frank Sinatra está resfriado) deixa muito evidente quanto ao “novo jornalismo” praticado por Gay Talese. Ele consegue obter detalhes íntimos da personalidade de Sinatra sem ao menos entrevistá-lo, apenas o acompanhando – mesmo que de longe – e contando com a colaboração das pessoas de sua confiança por seis semanas. Talese ainda reconhece que “foi muito mais proveitoso observá-lo (...) do que me sentar e conversar com ele, caso tivesse me concedido a entrevista.”

Outro exemplo que evidencia isso é o capítulo VOGUElândia, em que o autor pretende imergir o leitor no planeta que se localiza no 19º andar do edifício Graybar Building, onde as pessoas não dizem “oi” e são facilmente distintas das que trabalhavam na revista vizinha, Glamour. Ele deixa claro que não visitou simplesmente a redação da revista Vogue, símbolo máximo de sofisticação entre as americanas. Com o avançar da leitura, se encontram, além de minúcias que só seriam percebidas com a convivência, temas e estilos recorrentes nas publicações da revista, exigindo, além de tudo, a leitura de diversos exemplares da revista.

Para fechar com chave de ouro, nada mais pertinente do que o pósfacio A arte de sujar os sapatos, escrito por Humberto Werneck e adicionado ao livro em sua reedição. Werneck conclui que o livro é a demonstração de como é possível conseguir se aprofundar nos fatos e histórias, sem se limitar a narrá-los. Deixa os fatos, além de nutritivos, palatáveis (em comparação do jornalismo usual com pílulas para astronautas). Sem que fosse preciso separar duas palavras providas do mesmo radical latino: saber e sabor.
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Peterson Boll 26/07/2012

New Yorkers
Em alguns momentos o autor/jornalista (não necessariamente nesta ordem) chega as raias da poesia, principalmente no capítulo que fala sobre pessoas comuns do dia-a-dia novaiorquino. A parte onde se atém as personalidades ficou meio datada, os astros da época (anos 60) hoje são quase todos desconhecidos (com exceção de Frank Sinatra e olhe lá...).

Vai aproveitar melhor ainda quem conhece bem a cidade.
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