Coruja 03/09/2015Ouvi falar de O Gigante Enterrado pela primeira vez quando li a entrevista que ele deu, junto ao Gaiman, para NewStatesman. Até então, eu não tinha lido nada do Ishiguro, embora o conhecesse de nome e ele estivesse na minha lista de desejados (especialmente o Nunca me Deixes e Resíduos do Dia, que vivo cobiçando, mas estão esgotados em todo canto que procuro…).
Fiquei curiosa e coloquei o volume na minha lista de desejados… pouco depois, saiu a edição em português, que é, simplesmente, a coisa mais linda do mundo. Ele entrou em promoção no aniversário da Amazon e não hesitei: lá foi ele para o carrinho de compras. Nem preciso dizer que já o comecei quase imediatamente à sua chegada, não é?
O Gigante Enterrado é uma brilhante história de fantasia, com dragões, trolls, gigantes e cavaleiros do rei Arthur. Mas é também, sobretudo, uma história agridoce sobre memória e traição, sobre vingança e violência. É uma história bem pesada sob o tom de conto de fadas - aliás, como todo bom conto de fadas também é.
Há um névoa que embota emoções e rouba as memórias dos aldeões espalhados por uma Bretanha perdida entre histórica e fantasia. Sem lembranças, é difícil manter um senso de identidade. Pais esquecem seus filhos, maridos esquecem esposas, a rotina é a única coisa que se mantém inalterada, fixa, sem chance de qualquer progresso.
Mas alguma coisa está começando a mudar e, às vezes, há momentos de claridade. E é assim que Axl e Beatrice, nossos protagonistas, lembram que têm um filho, de quem se separaram após uma briga - embora eles não se lembrem por quais motivos brigaram. Mas esse, talvez, seja o momento de perdoar e se reencontrar. E assim é que eles decidem sair de sua aldeia para tentar reunir sua família - e buscar significado para suas vidas.
No caminho eles encontrarão um guerreiro, um menino e um cavaleiro, e descobrirão a verdade por trás da névoa e talvez até mais do que barganharam inicialmente: talvez, no final das contas, seja melhor manter o passado enterrado e assim manter nossa paz, do que lembrar e trazer de volta à luz velhas faltas e crimes.
Em outras palavras, é a alegoria de Adão e Eva e a Árvore do Conhecimento.
A linguagem é construída de forma extremamente cuidadosa, elegante e simples. Há um tom quase onírico, extremamente poético em todo o enredo. Independente até da história, para quem se deleita com frases bem construídas, esse é um livro clássico.
Com tudo isso, O Gigante Enterrado não é um título que eu indicaria para todo mundo - Ishiguro é extremamente sutil e deixa todo o enredo aberto à interpretação. Não há respostas fáceis (às vezes, não há nem mesmo perguntas, que dirá respostas…) e o ritmo é lento, no passo de nossos idosos protagonistas. É, mais que um romance, uma reflexão. Por isso existe algo de genérico em seus personagens e muita gente critique que não conseguiu sentir empatia por eles: o objetivo aqui não era emocionar, mas ser um convite à introspecção.
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http://www.owlsroof.blogspot.com.br/2015/09/para-ler-o-gigante-enterrado.html