Carlos Paredes 12/01/2016
Contos de Outros Cantos – Ottávio Lourenço na Curitiba trevisaneana
Resenha de Daniel Osiecki - Terra Incógnita - Edição de julho de 2015 do Jornal Relevo página #31
No ano do nonagésimo aniversário do maior escritor curitibano, o balanço geral de bons contistas é muito positivo. Nada melhor do que honrar o nome de Dalton Trevisan, mestre de muitos escritores, celebrando uma ótima safra de jovens contistas curitibanos que produzem trabalhos relevantes no cenário local. É certo que ainda carecemos de um movimento editorial com abrangência nacional, o que não significa que o trabalho intelectual produzido aqui não seja relevante. O próprio Dalton é o maior exemplo disso, sendo reconhecido no Brasil e no exterior.
Dos nomes menos conhecidos e ainda produzindo trabalhos na Curitiba underground, destacam-se Homero Gomes, ReNato Bittencourt Gomes, Luiz Felipe Leprevost, Otávio Linhares e minha mais recente descoberta, Ottávio Lourenço. Com trabalhos publicados em periódicos virtuais e impressos pelo Brasil afora, Ottávio Lourenço publicou seu primeiro livro, “Sombrio e Tropical” em 2013. Músico, filósofo e escritor, nasceu em Curitiba. É vocalista e compositor da banda Choke.
Seu mais recente trabalho, “Contos de outros cantos” (Encrenca – Literatura de invenção, 2014) é um volume de contos inspirados em filmes de Alfred Hitchcock, ambientados, em sua maioria, em Curitiba. Não na Curitiba de cartão postal “para inglês ver” que tanto irrita o vampiro, mas em uma Curitiba sombria que em alguns contos lembra a velha Curitiba trevisaneana como um arquétipo de cidade. Destaque para o último conto do livro, “Corvídeos”, baseado no filme “Os pássaros”, de 1963. No conto, a protagonista Melanie viaja a Curitiba para encontrar Michel Brenner, e quando chega à capital paranaense fica sabendo de fatos estranhos: pássaros começam a atacar as pessoas (como no filme de Hitchcock).
Durante vários textos de “Contos de outros cantos”, Lourenço se utiliza com frequência da técnica descrita por António Cândido em “A personagem de ficção” como personagem real-ficcional, ou seja, personagens fictícias às quais são atribuídas identidades diferentes de suas origens.
Outro conto que merece destaque é “O medo é um lugar para viver”, inspirado em “Psicose”, de 1960. O conto narra a trajetória de um ator curitibano, Denis Langres, um verdadeiro prodígio do teatro local, camaleão nos palcos que, de fato, vive a vida dos personagens que interpreta. A cada mudança de personagem, Denis também se metamorfoseia física e intelectualmente. Em alguns momentos, lembra o clássico filme de Woody Allen, “Zelig”, no qual o protagonista interpretado pelo próprio Allen adquire formas e personalidades diversas ao longo do filme. Tudo parece ocorrer bem até Denis Langres assassinar uma jovem loira. Langres estava interpretando Norman Bates e a partir desse ponto o protagonista é submetido a vários processos freudianos (muito bem usados por Lourenço) até o final da narrativa.
Outros contos como “Janela indiscreta”, “A dama oculta” e “Carnaval no Centro Cívico” também merecem destaque e são a prova de que Ottávio Lourenço é um contista nato. Assimila muito bem a técnica da narrativa curta e explora ideias densas no universo da ficção. Seu trabalho em “Contos de outros cantos” é árduo, pois os contos que compõem o livro não são meras histórias recontadas ou baseadas em filmes de Hitchcock; o autor recria elementos, situações e todo um universo sombrio hitchcockiano em uma Curitiba trevisaneana.
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