Tati 11/09/2017Os contos desse livro se encaixam perfeitamente no que Freud chamou de "Unheimlich", o estranho que inquieta por ter algo de muito familiar. A sensação de medo que tive ao ler o que Mariana escreveu foi essa, de algum medo muito primário, infantil até - mas não são essas as sensações mais assustadoras? São pequenas histórias independentes entre si mas que guardam muitas semelhanças e algumas obsessões da autora: casas assombradas, crianças deformadas, lugares insalubres, corpos magros e desnutridos, loucura. Como todo bom livro pode ser lido com várias chaves e, além do terror, destacaria a política. Li em algum lugar que os contos de Mariana trazem à tona uma Argentina diferente da que estamos acostumadas a ver nos escritores mais conhecidos e tive também essa sensação. Ela escolheu lugares fora dos grandes centros para ambientar suas histórias e traz dentro da sua escrita todo o peso de esquecimento social que esses cantos carregam.
Meus contos favoritos: A casa de Adela, O quintal do vizinho, Sob a água negra e o conto que dá origem ao nome do livro, As coisas que perdemos no fogo - um conto doído mas interessantíssimo para pensar o feminicídio. Aliás, a maioria dos contos traz personagens mulheres como protagonistas e a violência presente nos papéis que elas ocupam também é uma chave de leitura para ser levada em conta. Sem condescendência e sem transformar essa violência em fetiche como é o caso de outras narrativas.
Os primeiros contos me lembraram um pouco o Cortázar na estranheza dos finais principalmente. Eles acabam literalmente do nada e com aquele gostinho de tem muita coisa por trás aí que eu vou precisar pensar bastante para começar a entender. Mas do meio pro fim as pequenas obsessões que falei anteriormente ganham um corpo que, pelo menos a meu ver, carregam uma assinatura muito própria da Mariana.