Zé - #lerateondepuder 11/08/2020
Quase Memória
Uma quase memória é o título que pode trazer várias intepretações, sendo uma dúvida que pairou durante quase toda a leitura desse livro, que a mim parece mais uma homenagem e relato bem pessoal detalhado da vida do pai do autor. A falta de esclarecimento sobre o título se corrobora pela incrível semelhança das sinopses sobre a obra, uma vez que, em quase todos os locais em que estas foram apresentadas, são praticamente iguais, um detalhe que não passou despercebido e que não acontece com a maioria dos livros.
Desta forma, os comentários de Nelson de Sá que constam na contracapa de uma das edições, praticamente, podem também ser vistos “ipsis litteris”, na maioria das demais edições, inclusive na análise contida na clássica coletânea de resenhas, 1001 livro para ler antes de morrer, um dos bons motivos que classificam o livro em tela como uma obra clássica.
Na verdade, trata-se de um livro de leitura agradável, que apresenta os fatos de forma assíncrona, todos relacionados ao criador do autor Carlos Heitor Cony, o qual foi publicado no ano de 1995, após mais de duas décadas sabáticas, sem que Cony, membro da Academia Brasileira de Letras, publicasse qualquer outro título. Vale ressaltar que este clássico recebeu alguns prêmios e que o autor escreveu outras renomadas obras, como Pilatos (1973) e O Piano e a Orquestra (1996), dentre outras.
O que pode ser visto na escrita é uma boa dose de saudosismo, uma vez que Carlos Heitor imprime uma gama de apresentação de fatos do passado, verdadeiras reminiscências de sua mente, em que seu pai é o grande protagonista. A trama vai girar em torno de um embrulho com a letra paterna, recebido em um determinado hotel em que se encontra o protagonista, após mais de 10 anos da morte de seu progenitor.
Ao longo do desenvolvimento dos capítulos, o autor retoma várias vezes à questão do embrulho, que leva a marca indelével de seu genitor, quase que como indiscutível autoria e que fora entregue, misteriosamente, uma década depois de seu falecimento. O pacote acaba sendo o mote para apresentar descrições muito detalhadas das atitudes, até mesmo um tanto quanto bizarras e quixotescas de Ernesto Cony Filho, como o gosto paterno pelas comidas e bebidas, aos diversos e muitos amigos exóticos, até as verdadeiras façanhas que o pai promovia, apresentando-o na visão de um herói para seu filho.
A vida de Cony no seminário de Rio Comprido é retratada, da mesma forma, em várias passagens, contando a visão religiosa e positiva que parece ter se incrustado em mais de oito anos de estudo para se tornar padre, desde sua tenra infância. O orgulho que toda a família e amigos tem para com essa condição é bem visível, não deixando claro o motivo de sua desistência, antes da ordenação.
A carreira de jornalista tem um destaque bem relevante, começando por tecer detalhes da vida profissional de seu genitor, desde o tempo em que as redações ainda eram bem rudimentares, não contando sequer com máquinas de escrever, sendo as notícias formatadas à lápis, para depois serem impressas. É um relato bem consistente não somente da profissão, mas da forma que seu progenitor trabalhava, até a chegada de alguma das tecnologias atuais, um ciclo que se fechou com o autor seguindo essa mesma vocação de repórter, jornalista e colunista.
Há espaço para a descrição de duas grandes revoluções políticas históricas, como a entrada de Vargas no poder, que teve um grande reflexo para o fechamento de alguns jornais e pouco mais de trinta anos depois, com a tomada do poder por conta dos militares. Foram dois períodos nominados como ditaduras, em que os jornais influenciaram sobremaneira até o seu desencadear e sofreram vários reflexos e transformações, durante seu funcionamento.
O Rio de Janeiro, como época de Capital Federal, tem destaque especial, tal como Niterói, a cidade em que morou a família de Cony, quando este era criança. O tal saudosismo é bem evidente nessas passagens em que descreve a cidade e centro político que atendia os aspectos culturais sofisticados de Ernesto Cony, como seu gosto pelas óperas e sinfonias clássicas, descritas em detalhes de nomes e tipos.
A justificativa para este título se descortinará mais ao final, quando o autor vai se referir ao tempo que ficou fragmentado em quadros e cenas nas lembranças de Cony, que não consegue formar exatamente a memória que seu pai e os outros protagonistas significaram para ele, tal qual um quase romance ou uma quase biografia, que não é mais possível de se materializar, tal qual o embrulho recebido.
Essa resenha se baseou na edição Kindle do ano de 2014, da Editora Nova Fronteira e conta com, pelo menos, mais cinco edições diferentes. Assista à vídeo resenha em: https://youtu.be/k5eouRT-M4I, acesso em 11 ago. 2020. Paz e Bem!
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