Andresa 08/06/2023
Leitura conflituosa
Senti tanta coisa lendo essa biografia. Ao mesmo tempo em que me sentia muito curiosa em saber mais da vida do Salinger, me sentia invadindo sua privacidade assim como todos já tentaram fazer. Sinto um respeito profundo por quem ele foi e sua obra, e ler as exposições de suas cartas, relatos, 200 pessoas mostrando seus palpites, ângulos e lembranças foi interessante e ao mesmo tempo constrangedor. Gostaria que tivessem deixado ele realmente em paz, e achei curioso ver como o mundo (e principalmente os Estados Unidos) se indignaram e se recusaram a entender e aceitar que alguém tão genial poderia querer realmente recusar a fama e a adoração. Exigiam algo dele como se ele os pertencesse. Parece que várias das pessoas da biografia se questionam revoltados ?COMO é possível que ele não queira esse nível de sucesso? Ele só pode ser um hipócrita e um egoísta por se recusar a deixar sua alma e sua produção em nossas mãos?. Parece dramático, mas a sensação é essa. Fiquei triste vendo o quanto é possível alguém ser desrespeitado várias e várias vezes até o ponto de se desiludir completamente, já que tudo que ele sentia de mágoa com a humanidade só foi comprovada vez após vez em que ele pedia respeito e era invadido. Nunca se colocou como homem-santo e recusou firmemente o papel de guru que tanto queriam dele, parecendo tão consciente de suas próprias limitações e falhas que chegava a constranger o público pós-guerra, tão carentes de um salvador e de um guia que indicasse o caminho e trouxesse sentido.
As partes em que os autores da biografia acrescentam suas opiniões são grotescas, me senti lendo a opinião que algum estudante no começo da carreira ou um jornal barato de fofoca teria. A escolha de fechar o livro destacando que os comportamentos de Salinger eram por ele ter apenas um testículo é revoltante, desrespeitoso e superficial. Sobre a ligação dele com a infância e com pessoas jovens e fetiche por pés (???) beiraram retrata-lo como um predador pervertido, como se só quisessem polemizar levantando uma suspeita tosca - pareciam as opiniões de alguém que jamais leu Salinger ou que sofre de uma quase patológica literalidade das coisas. Sempre que possível os autores inseriam alguma tentativa de transforma-lo em um hipócrita por ele desejar o isolamento e ao mesmo tempo querer algum contato com o mundo as vezes, ou por se importar e sentir raiva quando violavam sua privacidade e sua obra. ?Se ele é tão santo, por que sente raiva quando querem mexer em sua obra? Se quer tanto o isolamento, por que vai ao mercado e recebe amigos pro jantar? Se quer tanto sumir, por que tem uma caixa de correio com seu nome??. E blá blá blá.
Salinger era um gênio no que fazia, extremamente sensível, e foi massacrado pela Guerra e pelo que existe de pior na sociedade. Ele não era um eremita ?nato? (o que nem existe, mas os autores parecem achar que sim), ele era um homem consciente de seus talentos sem falsa modéstia e gostaria de reconhecimento pela sua arte, e apenas por sua arte - mas encontrou pelo caminho muita dor, muita exploração, muito desrespeito, muita miséria espiritual. E se isolou do mundo, desistiu de participar e ser cúmplice dessa máquina de moer gente.