Luiz Pereira Júnior 11/12/2021
Crônica de uma tragédia anunciada
Confesso que minha primeira opção para o título seria o famoso chavão Parente é Serpente. Mas isso seria generalizar, pois tenho alguns parentes que jamais mereceriam serem chamados de serpente e alguns deles também diriam (dirão) isso de mim.
Mas, ao ler a biografia de Michael Jackson escrita por Randall Sullivan, é difícil (se não impossível) não pensar naquele que talvez seja o maior astro pop de todos os tempos morando em um ofidiário, onde todos, de uma forma ou de outra, com maior ou menor intensidade, pensam em como pegar dinheiro do membro (milhões de vezes) mais bem sucedido da família.
Sempre escrevo que as (auto)biografias são, a grosso modo, de dois tipos: as de primeira categoria, que se preocupam com detalhes, com o contexto social, com a busca de várias e muitas fontes, fazendo com que o leitor compreenda como o (auto)biografado se tornou o que é e como chegou aonde chegou. Isso acaba por fazer essas biografias ainda melhores do que muitos romances que são publicados hoje em dia, que fazem de seus personagens meros bonecos de papelão (unidimensionais, rasos, que mal se diferenciam de um vaso na sala). E, mais uma vez, cito, como exemplos, as biografias de Bob Dylan (No Direction Home), dos Beatles (de Bob Spitz) e de Chatô (de Fernando Morais) nesta categoria.
Já o outro tipo não passa de um (auto)elogio, de uma auto(louvação), de páginas e mais páginas querendo convencer o leitor de que o ser em questão é especial (eta palavrinha chata de tão usada) e que ele(a) se fez por si mesmo por causa de seu talento, da sua inteligência, de sua beleza ou seja lá o que for. Infelizmente não dá para citar exemplos, pois não tenho a mínima vontade de ser processado, nem tenho paciência para entrar em polêmicas internéticas. No entanto, uma dica: um certo cantor famoso...
E é mais do que lógico que você já deve ter percebido que Intocável está no primeiro time, mas com uma ressalva (que nem é tão ressalva assim): o foco é principalmente nos últimos meses da vida do Rei do Pop. Assim, se você quiser uma biografia de Michael mais detalhada de seus primeiros anos, da criação de suas maiores obras, essa aqui não faz feio, mas o foco é, como já disse, os absurdamente horríveis últimos anos de Michael.
Ao detalhar as relações de Michael com a família, com os advogados, com a imprensa e com os (muitas vezes supostos) amigos, o autor nos oferece um retrato aterrorizante da fama e do mundo do altíssimo poder econômico, assim como também dos meandros da indústria cultural e de sua incessante busca de lucro (afinal, é cultural, sim, mas também é indústria).
Não há heróis no livro e todos possuem seus aspectos obscuros, mas é isso que torna esse livro tão intenso que parece por vezes que estamos lendo uma obra de ficção que só poderia ter sido inventada por um autor em uma crise de delírio imaginativo. E, por incrível que pareça, o livro acaba gerando uma grande empatia do leitor no melhor estilo “Graças a Deus que eu não nasci numa família como essa...”.
Escrever sobre alguém qualquer um escreve, mas transmitir ao leitor o que é ser esse alguém... isso, sim, é tarefa para poucos...