Luis 20/11/2014
Sopas de dor, amor e pedra.
Já devo ter escrito isso antes, mas é inevitável repetir : a cada lançamento, e eles se dão com infalível regularidade, a literatura de Rubem Fonseca, a despeito de suas quase nove décadas de vida e mais de cinco de carreira, está longe de demonstrar qualquer tipo de desgaste , cansaço ou estéril repetição.
“Amálgama” (Nova Fronteira, 2013), a mais recente incursão no gênero que o consagrou, é uma espécie de show room das qualidades que há muito o colocam no patamar de totem da ficção brasileira contemporânea.
Como um chef consagrado, mas ainda disposto à experimentações, Zé Rubem trabalha com os mesmos ingredientes de sempre, o sexo, a violência, a solidão, a frieza do concreto urbano, embora, e aí esta a essência de sua genialidade, consiga reconfigurar esses itens de forma a obter resultados que ao mesmo tempo que não descaracterizam sua obra, tampouco a aprisionam às velhas armadilhas da acomodação, fato tão comum entre os medalhões de todas as artes. O interessante é que o velho eremita do Leblon não precisa de muitas páginas para isso. Muitos contos se resumem a uma.
Entre as trinta e quatro curtas narrativas, o leitor habitual há de reconhecer traços definitivos do escritor como por exemplo em “O Filho”, que abre a coletânea e mostra a tentativa de uma jovem miserável para vender ser filho recém nascido; Em “Amor”, um homem solitário reflete sobre o desejo e o abandono, caminhando pela cidade vazia; “O Ciclista” traz um jovem que usa de seu meio de transporte para atacar “homens maus”, a partir de seu próprio e subjetivo julgamento; “Escrever” é quase uma carta de intenções, uma espécie de manifesto que defende a escrita como um ato de “urdir, tecer, coser palavras...”Também defende o ficcionista como alguém destituído de qualquer resquício de sensatez. Difícil não concordar.
“O Matador de Corretores” flerta com o livro mais célebre de Fonseca, “Feliz Ano Novo” publicado em 1975, o conto que parece ter saído direto da obra de 38 anos antes, versa sobre um serial killer que, como entrega o título, se dedica a eliminar corretores de imóveis. A suprema ironia é que a ação do assassino acaba por estimular uma alta nos preços de casas e apartamentos...
“Sonhos” é um relato de uma sessão de psicanálise em que a analista desperta os desejos eróticos de seu paciente em meio à confissões inusitadas, como a de que o analisando sonha ser um anão verde ou uma pipoca devidamente alocada em seu saco.
Talvez, a grande sacada de “Amálgama” , seja a aproximação mais explícita com a poesia, se não no conteúdo, com certeza na forma. Estão nessa categoria “Sem Tesão”, “Sentir e Entender”, “Restos”, “Lembranças” e o seminal “Sopa de Pedra”, em que o autor “brinca” com os criadores, de uma forma geral :
“A vida que é comer,defecar e morrer.
Todo poeta é maluco.
Estou de olho neles.
E também tem que se maluco o pintor
E o músico e o prosador.
A loucura é muito boa
Para todo criador.
Mesmo para os cozinheiros.
Ou qualquer inventor.
Estou de olho neles.
É melhor ser capenga que cego.
A poesia é uma sopa de pedra.
Cabe tudo dentro dela.”
Cabe tudo na amálgama de Rubem Fonseca.