Augusto 11/08/2020
Sabe aquele livro que em circunstâncias normais jamais despertaria o seu interesse?
Pois bem... Como Falar com Garotas nas Festas é um claro exemplo disso pra mim.
Maaas... quando se trata de ajudar um jovem amigo na tarefa de adquirir o hábito da leitura isso se torna pequeno.
Então se foi por este que ele se interessou... vamos lá.
A despeito do título e enredo aparentemente "teen", há mais aqui além do que a "superfície" sugere. O que, confesso, foi uma surpresa.
Sendo breve: o livro trata de dois amigos, no início da adolescência, indo à uma festa na qual encontram garotas não muito... convencionais. Algo na aparência física delas e, mais claramente, na maneira de se expressar sugerem que os meninos e as meninas aqui não pertencem ao mesmo planeta no sistema solar.
Extraterrestres?! Sério?! Eles foram a uma festa com extraterrestres? Eu sei, eu sei... dito assim parece meio... pueril...
Mas, como disse antes, isso é a superfície, porque é evidente que este conto de Gaiman é uma metáfora... sobre crescer.
Sobre se tornar adulto. Sobre a estranha fase de transição entre a infância e a vida adulta e sobre o quanto isso parece se processar de modo tão diferente pra homens e mulheres. A ponto de que, num dado momento do processo, ambos sequer pareçam pertencer à mesma espécie. As pistas dessa evidente intenção do autor estão por todo o livro, em trechos como:
"(...) na infância, somos meninos e meninas, e o tempo passa na mesma velocidade para todos nós; temos cinco anos, ou sete, ou onze, juntos. Mas aí, um dia, acontece uma guinada, e as garotas simplesmente dão um salto para o futuro antes da gente, e sabem tudo sobre tudo, ficam menstruadas, os peitos crescem, usam maquiagem, e sabe Deus o que mais — eu, com certeza, não sabia. As ilustrações nos livros didáticos de biologia não substituíam o que era ser, em carne e osso, um jovem adulto. E as garotas da nossa idade eram."
Então, enquanto as meninas "extraterrestres" com as quais o personagem Enn conversa se entregam às mais profundas divagações sobre as rápidas mudanças da vida, sobre o "tornar-se" mulher e o quanto isso as faz sentirem-se habitando um corpo estranho que elas ainda não entendem muito bem, o sentido da vida e tudo o mais... o jovem rapaz as ouve, mas não as escuta... tão focado está em coisas mais "terrenas" e menos sublimes tais como conseguir colocar a mão em volta do ombro ou encostar sua perna na delas, um beijo então?! Ah, isso seria perfeito(!)
Mas calma... o protagonista não é assim tão obtuso. Ou talvez até seja (rs), mas... de alguma maneira que ele não sabe explicar, aquele primeiro contato com seres tão estranhosl também deixa marcas e começa a produzir mudanças nele:
"Eu não entendia as palavras, mas seus versos tomaram conta de mim, perfeitos"
(...)
"Vic seguia aos tropeços à minha frente, enquanto eu me arrastava atrás dele sob o crepúsculo, meus passos seguindo a métrica de um poema do qual, por mais que eu tentasse, não conseguia me lembrar bem, e que nunca mais seria capaz de repetir."
Então... nas entrelinhas de uma historinha aparentemente despretenciosa, Gaiman reflete brevemente sobre tudo isso e sobre o efeito e o poder impressionante que as mulheres conseguem ter sobre os homens, ainda que eles nem sempre compreendam isso muito bem...
Mas alto lá, se procura uma história óbvia, com começo, meio e fim muito bem explicados, tudo mastigado pra você, talvez vá se frustrar um pouco.
Leia um pouco abaixo da superfície, atento(a) às "dicas" do autor e terá uma experiência melhor.